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O mundo está a ser abalado pela pandemia da Covid-19 há já dois anos. No contexto local, as Juntas de Freguesia têm estado na linha da frente no apoio ao tecido social e económico de cada território. Em jeito de balanço e em antevisão ao XVIII Congresso Nacional da ANAFRE, Jorge Veloso, Presidente da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), esteve à conversa com a Mais Magazine. Deu-nos a conhecer os principais desafios enfrentados pelo Poder Local no exercício das suas funções e enalteceu a proximidade e o meritório trabalho desenvolvido pelos executivos no apoio à população.

A ANAFRE tem como fim geral a promoção, defesa e dignificação do Poder Local, designadamente das freguesias e seus eleitos, valorizando a dimensão histórica e cultural das Autarquias Locais, como agente político e administrativo, para a garantia e defesa do interesse dos cidadãos, do território e da freguesia. “A ANAFRE é a única associação representativa das freguesias portuguesas. É institucionalmente reconhecida como parceiro social no âmbito da interlocução com os poderes legislativo e executivo”, começa por nos elucidar Jorge Veloso.

Desde o primeiro congresso, que decorreu no Porto em 1988, que os valores principais e estruturantes da ANAFRE se centram no reforço de uma maior autonomia das freguesias com o incremento da sua capacidade financeira, mecanismos mais ágeis no relacionamento e cooperação com os municípios, a clarificação das especificidades das freguesias no âmbito urbano e rural, o regime de permanência dos autarcas alargado à generalidade das freguesias, entre outros. “Estes foram os princípios que resultaram do primeiro congresso fundador da ANAFRE e que, de um modo geral, se têm mantido ao longo da dinâmica reivindicativa da ANAFRE e das freguesias portuguesas, acrescentando-se eventualmente uma maior exigência no estatuto do eleito local na transferência de competências e na reorganização administrativa”, explica o presidente. Para além do que podemos situar no campo conceptual de utilidade da ANAFRE, ao longo dos seus 33 anos de existência, importa ainda realçar todo o apoio e colaboração que é disponibilizado às freguesias a partir da estrutura da ANAFRE em áreas como formação, informação, serviços jurídicos e outras iniciativas de debate e encontro de autarcas de freguesia, “bem como os múltiplos protocolos conseguidos com outras entidades”.

XVIII Congresso Nacional da ANAFRE

O Congresso Nacional é o órgão máximo de representação da ANAFRE e de onde sempre se emanaram importantes conclusões e sinergias para continuar pugnando pela defesa da dignidade das freguesias e dos seus eleitos. O XVIII Congresso Nacional da ANAFRE reunirá uma vez mais, desta feita no Altice Fórum Braga, centenas de freguesias / união de freguesias em prol da promoção, defesa e dignificação do Poder Local a nível nacional. “O tema subjacente ao XVIII Congresso Nacional da ANAFRE será “Freguesias 2030” “Valorizar Portugal”, que sucede ao lema “Somos Portugal Inteiro” do XVI Congresso que decorreu em Viseu, em 2018”, explica Jorge Veloso.

Os temas essenciais em debate centrar-se-ão em torno da análise e avaliação do que foi o mandato que agora se conclui e perspetiva futura. Neste sentido, os grandes eixos de intervenção da ANAFRE prender-se-ão com o estatuto do eleito local, o reforço da autonomia das freguesias face aos municípios, a consolidação e aprofundamento da transferência de competências, as finanças locais, o acesso aos programas comunitários, acompanhamento do processo de reorganização administrativa das freguesias e do país, o regime de permanência, o reforço da presença institucional da ANAFRE, assim como “muitas outras questões trazidas pelos autarcas de freguesia investidos na condição de congressistas construtores de decisões”.

Poder Local, uma resposta de proximidade
O Poder Local tem a sua principal força na proximidade às populações, afirmando-se como a primeira voz do povo. Um apoio que, indiscutivelmente, se intensificou nos últimos dois anos. Perante a situação de emergência provocada pela Covid-19, as Juntas de Freguesia mantiveram-se na linha da frente no combate à pandemia, no reforço e no apoio às comunidades. Com o início da pandemia, em 2020, surgiram “em catadupa” os pedidos de apoio de famílias às autarquias, que passaram a desempenhar um papel importantíssimo na alimentação e em alguns atrasos de pagamento das rendas, de energia e de água. Ao longo destes anos atípicos o Poder Local desenvolveu um trabalho hérculeo, que merece e deve ser reconhecido. “Como outras entidades, e nomeadamente os serviços de saúde a quem agradecemos o esforço quase sobre-humano desenvolvido, as freguesias fizeram um enorme esforço para acorrer às múltiplas solicitações dos cidadãos. Mantiveram os serviços abertos ou, mais rápido do que as instituições do Estado, conseguiram soluções para nunca deixarem para trás as necessidades dos cidadãos, no que concerne aos serviços prestados nos balcões das freguesias, Espaços de Cidadão e postos CTT”, enaltece o presidente da associação.

Também no apoio social se registou um aumento expressivo de custos com os cabazes alimentares levados, muitas vezes, a casa dos cidadãos, dos apoios disponibilizados a várias entidades de índole social, na colaboração prestada no processo de limpeza e desinfeção em espaços públicos anexos às unidades de saúde e também na forte colaboração prestada no processo de vacinação. Em reposta ao esforço financeiro do Poder Local para cobrir os custos com a prevenção e combate à pandemia, foi aprovada uma verba de 55 milhões de euros para os municípios comparticipando as despesas que estes tiveram com o combate à Covid-19. “Este será mais um tema a ter em conta no XVIII Congresso Nacional da ANAFRE, recordando que o Governo decidiu, e bem, apoiar os municípios, mas o mesmo não fez com as freguesias, apesar de estas reportarem à DGAL despesas extraordinárias. Estamos em crer que o Governo vai repor esta injustiça em sede do Orçamento do Estado, ou em outro mecanismo que permita às freguesias serem ressarcidas pelo aumento extraordinário da despesa”, afirma. Ao que foi apurado, o valor das despesas suportadas pelas juntas de freguesia em todo o território nacional, cifra-se em mais de 30 milhões de euros.

Regime para reverter freguesias agregadas
Algumas centenas de freguesias já podem iniciar o processo de reversão das agregações da reforma administrativa de 2012/2013, com a entrada em vigor do regime transitório previsto na nova lei-quadro de criação, modificação e extinção destas autarquias. Segundo a ANAFRE deverão ser entre trezentas a quinhentas as freguesias que estão na expectativa de reverter as uniões. Apesar de tardia, esta não deixa de ser uma medida muito esperada pela ANAFRE, como nos confidencia Jorge Veloso: “A reforma administrativa de 2012/2013 mereceu muita contestação por parte da ANAFRE. Apesar de múltiplas tomadas de posição, só em 2021, quase dez anos após a reforma anterior, tivemos finalmente publicada a Lei nº 39/2021 de 24 de junho, que determina o regime jurídico da criação, modificação e extinção de freguesias e revoga a Lei nº 11-A/2013 de 28 de janeiro”.

De referir que a criação da Lei nº 39/2021 teve o contributo decisivo da ANAFRE. Para além das propostas partidárias e governamentais, a última versão da lei contou com o esforço e contributo dos autarcas de freguesia, ouvidos nos órgãos da ANAFRE, com particular destaque e ênfase para o papel desempenhado pelo Conselho Geral e muito mais enfaticamente o Conselho Diretivo que, em tempo de pandemia, reivindicou e reuniu múltiplas vezes, para aportar o seu ponto de vista. Com aplicação da lei em vigor desde o final de dezembro de 2021, as freguesias podem, recorrendo aos procedimentos e critérios estabelecidos, repensar a sua organização territorial. “Este é um processo que obriga ao envolvimento das Assembleias de Freguesia, das Juntas de Freguesia e igualmente das Assembleias Municipais e Câmaras Municipais. São estabelecidos critérios diferenciados para áreas territoriais mais e menos povoadas, critérios de cariz financeiro e ainda critérios associados à oferta de serviços públicos e associativos nas áreas das freguesias a criar e/ou a redefinir”, esclarece acerca do processo.

A ANAFRE, através do seu serviço de apoio jurídico, tem vindo a corresponder às solicitações apresentadas pelas freguesias associadas e que pretendem aferir a possibilidade de beneficiarem do texto legal em causa. “Estamos expectantes sobre o desenrolar de todo este processo, porquanto trata-se de um tema muito sensível e demasiado importante para a dignificação das freguesias e dos autarcas e, no limite, também do próprio interesse das comunidades”.

Freguesias terão pelo menos um autarca a meio tempo
Na proposta de Orçamento para 2022 as juntas de freguesia iriam receber 276,9 milhões de euros, mais 39,4 milhões de euros em relação às estimativas de 2021. O chumbo do Orçamento do Estado veio comprometer as transferências e deixar em suspenso o regime de meio-tempo, que prevê pelo menos um autarca eleito a desempenhar funções a meio tempo em todas as 3.092 freguesias existentes no território nacional a partir de janeiro. Face a esta realidade, Jorge Veloso esclarece que “a expetativa da ANAFRE é sempre a exigência do cumprimento da lei das finanças locais e, nessa medida, o que esteve e desejavelmente estará na proposta orçamental para o ano em curso é que a lei seja efetivamente cumprida e que se registe o aumento enunciado na questão. A lei das finanças locais mereceu uma importante alteração em 2016, mas a sua aplicação integral foi deferida no tempo coincidindo a aplicação das alterações com o ano de 2022, pelo que não observamos qualquer razão para que o Governo não cumpra o assente em 2016”. As duas principais alterações foram igualmente respostas a questões suscitadas pela ANAFRE. Uma refere-se ao valor considerado para a média dos três impostos que auxiliam a formar o Fundo de Financiamento das Freguesias, o IVA, o IRC, e o IRS. A outra alteração visou repor a justiça da distribuição dos recursos do Fundo de Financiamento das Freguesias, que numa primeira fase acabava por redundar num valor sobrante que permanecia nos cofres do Estado subtraído às freguesias. Com a proposta da ANAFRE, as freguesias passaram a receber um excedente financeiro, num valor de 70 por cento, rateado pelas freguesias dos territórios de baixa densidade, e 30 por cento para as freguesias mais populosas.

Já em relação à questão de regime de permanência a meio-tempo, Jorge Veloso refere que este “não pode estar em causa. Só podemos aguardar pela apresentação e votação do orçamento para continuar a estar inscrita a verba de cerca de 29 milhões de euros, correspondente ao cumprimento da Lei nº 69 /2021 de 20 de outubro, que altera os termos do exercício do mandato a meio-tempo dos titulares das juntas de freguesia”. Esta foi outra conquista da ANAFRE, reclamada desde o primeiro congresso, que se traduz na oportunidade de todas as freguesias poderem beneficiar da permanência de um dos seus eleitos a meio-tempo. As freguesias com menos de cinco mil eleitores viram agora reconhecida essa exigência, porquanto as que têm mais de cinco mil e menos de dez mil já beneficiavam desse regime a meio-tempo e a tempo inteiro, respetivamente.

Descentralização de competências
A descentralização de competências da Administração Central para os municípios tem como principal objetivo dotar o Poder Local de todos os instrumentos para, de forma ágil e concreta, contribuir para a resolução dos principais problemas das populações. A transferência de competências dos municípios para as freguesias é outro importante dossier que, no decurso deste mandato, conheceu um decisivo desenvolvimento com a publicação, primeiro, da lei nº 50/2018 de 16 de agosto, lei-quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e depois com o decreto-lei nº 57/2019 de 30 de abril, que materializa a transferência de competências dos municípios para os órgãos das freguesias, ao abrigo do nº 02 do artigo 38º da lei quadro. “É provavelmente o maior desafio para este mandato autárquico e para o Poder Local democrático”, afirma Jorge Veloso que não esquece de alertar para a morosidade do processo: “A evolução da aplicação deste quadro legal tem sido muito lenta e é importante que os municípios compreendam a necessidade do cumprimento da lei e do esforço que deve ser desenvolvido para reforçar a intervenção autárquica de todas as freguesias no quadro desta legislação”.

A descentralização para as freguesias assume o pressuposto que a transferência de competências prevista na lei terá de ser acompanhada pelo respetivo envelope financeiro. Neste âmbito, estava prevista a transferência de um total de 79,2 milhões de euros dos orçamentos municipais para freguesias, segundo a proposta do OE2022. O esforço financeiro que os municípios portugueses têm feito para combater a propagação da Covid-19 veio tornar ainda mais complicada uma situação que já apresentava atrasos antes da declaração do estado de emergência por causa da pandemia. “A lei é clara quando refere as competências a transferir, os procedimentos a seguir e tipifica os recursos passíveis de transferência, quer sejam financeiros, patrimoniais, recursos humanos e materiais e preconiza a assinatura dos autos de transferência, constituindo-se com grande vantagem deste modelo de transferência de verba mensal da DGAL para as freguesias, a partir das verbas acordadas entre as câmaras municipais e as freguesias. Sendo certo que cerca de cem Municípios já acordaram esses autos com cerca de mil freguesias, envolvendo 86 milhões de euros, certo também será que o crescimento tem que ser acentuado em 2022”.