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As sociedades atravessam tempos pós-Covid, de guerra, crise económica, ameaças ambientais e climáticas. A crescente incerteza e alarme social, com implicações psicológicas, em particular para grupos vulneráveis (mulheres, jovens, idosos, pessoas com patologias crónicas, migrantes, refugiados, sem-abrigo), perpetua o aumento de prevalência de perturbações da adaptação ou formas mais graves de ansiedade, depressão, perturbação de stress pós-traumático, burnout, comportamentos aditivos e risco de suicídio.

Estes problemas são preveníveis e tratáveis. Mas, para que haja um reconhecimento dos mesmos, temos de atuar na comunidade, na informação e na sensibilização do público em geral, visando maior literacia. Só assim, o sofrimento psicológico, os sintomas e sinais precoces de doença mental, poderão ser mais facilmente detetados e as pessoas adequadamente encaminhadas, sem medo do estigma e discriminação.

Portugal tem cerca de 23% de prevalência anual de perturbações psiquiátricas, na idade adulta, uma das mais elevadas da Europa. Cerca de metade de todas as doenças mentais emerge antes dos 14 anos e 75% têm início até aos 25. O suicídio é a segunda causa de morte entre os jovens dos 15 aos 29 anos. São números que nos devem preocupar.

A saúde mental não é apenas a ausência de doença, é, sim, um estado de bem-estar global. Há que identificar fatores de proteção e eventual risco, para definirmos medidas de mitigação e recomendações ao nível biopsicossocial. A manutenção de estilos de vida saudáveis e atividades de lazer, o apoio sociofamiliar e a elevada resiliência são fatores protetores. Os preditores de sofrimento incluem ser mulher e haver dificuldades na conciliação entre trabalho e família.

É urgente uma intervenção concertada, com implementação de políticas públicas promotoras da saúde, baseadas na melhor evidência científica disponível.

Dos desafios e oportunidades, realçaria cinco: primeiro, alertar para a importância de certos determinantes, como a pobreza, conducentes a desigualdades, e promover a articulação entre o sistema de saúde português e outros setores, numa perspetiva intersectorial de saúde mental em todas as políticas, para conseguirmos chegar às pessoas nos seus ambientes de vida (família, escola, trabalho, lazer); segundo, ter atenção aos grupos vulneráveis; o terceiro desafio tem a ver com agilizar modelos de financiamento e combater a distribuição heterogénea de profissionais de saúde mental; o quarto é o recurso às novas tecnologias digitais, sem colocar em risco a relação terapeuta-doente. O quinto será o incremento da investigação, para que se conheça a realidade nacional e se adequem as intervenções aos riscos e necessidades identificadas. Por último, como corolário dos cinco desígnios anteriores, é fundamental responder aos problemas das pessoas e sociedades usando os conhecimentos das neurociências, psiquiatria, psicologia e saúde pública, procurando os modelos, comunitários e hospitalares, que mais se adaptem ao contexto nacional e cultural, desejavelmente enquadrados pela Organização Mundial de Saúde e Comissão Europeia.

Maria João Heitor
Médica Psiquiatra
Diretora do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental
e do Serviço de Psiquiatria do Hospital Beatriz Ângelo
Presidente da Sociedade Portuguesa de
Psiquiatria e Saúde Mental (SPPSM)