
Alguma vez pensou em dar aulas, em ser professor? Alguma vez pensou em partilhar conhecimento adquirido na sua área de especialidade, ou conexa, e dedicar-se parcial ou integralmente a ensinar crianças e jovens? O Presidente da República pensou nisso recentemente e assumiu-o em voz alta perante os jornalistas a propósito do dia a seguir a cessar funções: “o que é que eu vou fazer? Vou dedicar-me, sim, às escolas, mas básico e secundário”. Não esclarecendo se iria propor-se a lecionar aulas, adiantou, contudo, que poderia “desenvolver atividades formativas”, falar “de educação”, do que “é para eles (os alunos) a escola”, do “que vai mudar na escola, a escola e a sociedade”. Que luxo, poder ter o ex-Presidente da República, licenciado e doutorado, ex-Catedrático da Universidade de Lisboa, com uma vida a acompanhar os grandes acontecimentos de Portugal e do mundo, a ensinar crianças e jovens! Mas há um senão: de acordo com a legislação em vigor, Marcelo Rebelo de Sousa está impedido de ser docente no ensino básico e secundário. O ainda Presidente da República poderia voltar à Universidade, poderia orientar doutoramentos e pós-doutoramentos, poderia assumir cátedras e outras capacitações académicas, mas a lei impede-o de dar aulas ao nível da escolaridade obrigatória por não ter feito um curso superior de formação de professores. Não sei se o PR seria um bom ou mau professor, mas parece-me um bom exemplo do absurdo a que chegámos: uma pessoa capaz, com qualificações acima da média e uma vida extraordinária, está impedida de dar aulas a crianças e jovens.
Esta situação resulta de dois problemas do sistema educativo Português: a ausência de instrumentos de avaliação e distinção do mérito de quem ensina e uma visão pobre do que é educar. Quanto à qualidade de quem ensina, não só não há mecanismos sérios de avaliação do desempenho no exercício profissional, como não há mecanismos de avaliação de quem fez uma boa formação inicial e quem fez uma das medíocres. A qualidade da formação inicial dos candidatos a professor é irrelevante para a lei; o que conta é apenas se fez ou não um curso superior de formação inicial de professor (grupo onde se incluem tantos cursos de boa qualidade como cursos que não são propriamente conhecidos por ser especialmente bons).Quanto à visão pobre do que é educar, o problema é entender-se que educar é “dar a matéria”. “Dar a matéria” é muito importante. Mas educar é muito mais que isso! Se não tenho experiência de vida, se não tenho entusiasmo pelo conhecimento só pela satisfação de conhecer, até posso ter feito um curso de formação de professores, mas não sou um educador.
Estas limitações contribuem para um ecossistema profissional legalista e pobre. Não sabemos se há falta de professores em Portugal. O que sabemos é que há falta de pessoas que fizeram cursos superiores de formação de professor. Não sabemos se os jovens portugueses não querem ser professores, o que sabemos é que os jovens já não pensam o emprego como uma atividade única para a vida toda. A sociedade mudou brutalmente nas últimas décadas. Mas as regras para ser professor não mudaram nem um milímetro. Além da inércia, há alguma boa razão para quem escolheu tirar um curso de Direito, Engenharia, Arquitetura, Veterinária, Medicina, Sociologia, Antropologia ou Ciência Política não poder ser professor?
O Estado, através do Governo, tem uma importante função reguladora do sistema educativo. Deve criar regras e fiscalizar. Mas, tem de ter a coragem de não ser um fator de bloqueio ao aproveitamento de talento. É isso que está hoje a acontecer ao não permitir que o ensino privado recrute novos talentos. A manutenção do status quo está, aos poucos, a asfixiar o sistema educativo português. Não tem de ser assim.