: Mais Magazine:: Comentários: 0

Hélder Vaz, Embaixador da República da Guiné-Bissau em Portugal, esteve à conversa com a Mais Magazine para a última edição deste ano. O embaixador não esconde a ambição de promover, cada vez mais, o estabelecimento de pontes entre a nação que representa e o nosso país e revelou algumas das perspetivas para o reforço da cooperação entre os dois povos.

É desde 17 de janeiro de 2017 embaixador extraordinário e plenipotenciário da República da Guiné-Bissau em Portugal, lugar que assumiu com a ambição e convicção de poder dar um importante impulso à reaproximação das duas nações, servindo de ponte entre os dois países. Decorridos quatro anos desde o dia em que aceitou este desafio qual o balanço que faz deste período?

Eu cheguei a Lisboa com a grande ambição de contribuir para a mudança de paradigma nas relações entre Portugal e a Guiné-Bissau. Acho que o conseguimos. Aprofundámos o conhecimento mútuo e hoje podemos classificar de excelentes as relações entre os dois Estados. Estamos no bom caminho na redefinição dos fundamentos da nossa relação bilateral.
Para cumprir plenamente os objetivos a que me propus em 2017 falta-nos concretizar a primeira cimeira bilateral e concluir um Acordo de Parceria Estratégica para o futuro, fundado no conhecimento e na cooperação económica e empresarial, em benefício mútuo. Será o culminar de um trabalho contínuo que visa a erradicação definitiva dos fantasmas do passado e a construção de novo futuro de prosperidade partilhada, que abrirá a Portugal as portas do mercado da CE DEAO, com 380 milhões de consumidores, potenciando a Guiné-Bissau como âncora do comércio e do investimento português naquela sub-região.

O ano de 2021 arrancou com a assinatura do novo Programa Estratégico de Cooperação (PEC) Portugal-Guiné Bissau, para o período 2021-2025. Caminhamos, cada vez mais, no sentido de atingir todo o potencial de cooperação entre as duas nações?

Já há vários anos que não era assinado um novo PEC. Trata- se de um grande passo em frente na nossa cooperação. Agora nós queremos avançar ainda mais, queremos integrar o PEC numa parceria estratégica que visa enquadrar, estruturar e potenciar os elementos dispersos da cooperação multissectorial que vem sendo desenvolvida pelos Estados e pela sociedade civil, conferindo-lhes coerência e alinhando-os com os objetivos globais que se pretendem atingir. Nós queremos estruturar e racionalizar os instrumentos de implementação de uma cooperação alargada e aprofundada, numa perspetiva holística.

Um dos focos da cooperação entre os dois Estados reside no âmbito da educação. De que forma os dois países têm trabalhado, conjuntamente, no sentido de promover a criação de oportunidades no setor da educação em Portugal, que poderão beneficiar estudantes guineenses?

Temos tido a maior abertura e colaboração das autoridades portuguesas, que vêm contribuído muito para a qualificação do capital humano da Guiné-Bissau. Por isso, nos últimos quatro anos aumentámos exponencialmente o número de alunos guineenses a estudar em Portugal. O próximo passo consiste na abertura de Institutos Politécnicos na Guiné-Bissau, com o apoio de Portugal. Estamos a trabalhar nesse processo com o apoio do Ministério do Ensino Superior de Portugal.

O número de estudantes guineenses a estudar em Portugal vem aumentado consecutivamente, ano após ano. Apesar do aumento do número de candidatos nos últimos anos, o objetivo passa por aumentar ainda mais essa fasquia. Por onde passará a estratégia para motivar os jovens guineenses a ingressar no Ensino Superior em Portugal?

Entre 2006 e 2016 entraram nas universidades portuguesas 547 estudantes guineenses. Entre 2017 e 2020 foram admitidos mais de 7 mil alunos guineenses. Este ano entraram pelos regimes especiais mais de 2 mil alunos e outros tantos terão sido admitidos nos Institutos Politécnicos. Todos os estudantes guineenses ambicionam poder estudar em Portugal para poderem beneficiar de um ensino de maior qualidade. Eu lancei-me nesta aventura sem rede e sem os apoios necessários, de forma quase solitária. Não tem sido fácil. A procura tem crescido exponencialmente e a nossa Embaixada não possui estrutura capaz de dar resposta cabal, porém temos avançado imenso. Precisamos ainda de suporte para
criar estruturas de acolhimento, integração e acompanhamento destes alunos. Enfrentamos alguns problemas tais como o da fragilidade do ensino guineense, o da certificação dos diplomas, o da inexistência da Matemática “A” no ensino guineense e do surgimento de angariadores que exploram os pais dos estudantes. Mas estamos a construir soluções. Também estamos a trabalhar com o Ministério da Educação da Guiné-Bissau para a introdução do exame de acesso ao Ensino Superior.

A burocracia enfrentada por estudantes guineenses, nomeadamente na atribuição dos vistos de estudante é um dos principais desafios para a internacionalização do ensino universitário em Portugal. De que forma, através da sua ação, a Embaixada da Guiné-Bissau tem procurado dar o devido apoio aos jovens estudantes guineenses que chegam a Portugal?

O atraso na atribuição de vistos é um problema que tem levado alunos a pagarem propinas sem poderem frequentar as aulas. Relativamente ao acompanhamento, infelizmente nós temos limitações orçamentais e também quanto ao número e qualificações do nosso pessoal. De início, porque não havia funcionário que o pudessem fazer, eu próprio cheguei a ir ao aeroporto acolher estudantes e acompanhá-los para apanharem o comboio para a Guarda. Porém, quando estávamos a iniciar a implementação de um sistema de monitoramento surgiu a pandemia. Por isso, as associações têm desempenhado esse papel. Finalmente, em janeiro de 2022 vamos poder implementar um quadro de apoio à integração dos estudantes, articulado com associações, municípios, IPSS’s, igrejas e sociedade civil dos distritos onde temos estudantes.

Várias são as dimensões em que a aproximação dos dois países deverá ser potenciada. Uma delas passa pelo âmbito económico e empresarial através, por exemplo, da organização de missões empresariais. Os empresários portugueses têm hoje, cada vez mais, conhecimento sobre as potencialidades que a Guiné-Bissau apresenta na ótica do investimento?

Na Guiné-Bissau perdemos 40 anos e, por isso, tudo está por fazer, da agricultura às pescas, da energia à economia marinha e à economia florestal. Na educação, na banca, nos seguros, na distribuição, na logística, nos serviços mais diversos, nas parcerias público-privadas para a exploração de infraestruturas, ainda existe um imenso potencial por explorar. A estabilidade política era um requisito essencial para dar confiança aos investidores, apesar da Guiné-Bissau ser um país onde a instabilidade política nunca interferiu com a estabilidade social e a estabilidade dos negócios. Por isso, temos empresários chineses, indianos, vietnamitas e outros que vão-se sedimentando no mercado, porque vivem lá e estão cientes de que as disputas entre políticos e as sucessivas mudanças de governos não beliscam os seus negócios.

Presentemente, quais as potencialidades da Guiné-Bissau que elevam e dignificam o seu potencial e que tem contribuído para o aumento do investimento e criação de negócios no país?

Antes de mais a dimensão do mercado é o grande atrativo. Fruto da integração na CEDEAO e da união aduaneira, a Guiné-Bissau está num mercado comum com 380 milhões de consumidores. O que nós propusemos a Portugal no Acordo de Parceria Estratégica é a possibilidade de podermos fazer produção em linha de vários produtos, calçado, têxteis, maquinaria e utensílios, veículos, entre outros. Por exemplo, se 88 por cento de um calçado ou de uma motorizada for manufaturado em Portugal, ele pode entrar no mercado da Guiné-Bissau como produto semiacabado, pagando apenas 3 por cento de taxa aduaneira. Ao ser acabado na Guiné-Bissau, num sistema de produção em linha, e havendo 12 por cento de incorporação nacional no nosso país, ele é considerado produto de origem da Guiné-Bissau e, como tal, circula em todo o espaço de 380 milhões de consumidores da CEDEAO, sem pagar mais direitos aduaneiros. O que nós estamos a oferecer a Portugal é acréscimo e competitividade das exportações. E Portugal oferecer-nos-á industrialização e capacitação de mão de obra.

A atratividade do país encontra também um importante argumento no seu potencial turístico?

A Guiné-Bissau possui um potencial turístico extraordinário, sendo esta uma área de investimento que pode trazer retornos incomparáveis aos investidores portugueses. Convido todos a fazerem uma pesquisa por Bijagós. Verificarão que são 88 ilhas luxuriantes e paradisíacas, a quatro horas da Europa, que têm tudo para serem o novo destino de elite para o turismo europeu e americano.