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Proteção da saúde. Este direito fundamental e inalienável, consagrado na Constituição, é assegurado na sua génese pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), “a travemestra do Estado Social e da democracia em Portugal”, como descreveu António Arnaut. Porém, no que concerne à saúde oral, a premissa de um serviço de saúde universal está longe de ser realidade. Quatro décadas depois, a sociedade – governos incluídos – continua a ter dificuldade em ver a saúde oral como determinante para a saúde do nosso corpo, percecionando o seu impacto na saúde sistémica, relegando para um plano marginal uma especialidade médica que desempenha uma função tão importante como as demais para o total de anos de vida saudável. Prova disso são as conclusões do Barómetro da Saúde Oral da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD). Cerca de um milhão de pessoas nunca vão ou vão menos de uma vez por ano ao médico dentista. Destas, 300 mil indicam não ter capacidade para recorrerem a tratamentos no setor privado, onde se enraíza quase 98% da atividade da medicina dentária.

Se os índices de saúde oral envergonham o nosso país, e sendo o setor privado inacessível a um número preocupante de cidadãos, é também graças à iniciativa privada que o panorama não ganha contornos ainda mais alarmantes. Os avanços registados devem-se a estes profissionais que, de forma diligente e resiliente, assumiram o papel do qual o Estado se escusou e criaram uma rede de cuidados de medicina dentária espalhada pelo país. É essa rede que tem desempenhado a função de promover a literacia para a saúde oral e de mudar o paradigma – prevenir para evitar o tratamento, tratar para devolver sorrisos. Retomando os dados do Barómetro, veja-se a percentagem de pessoas que acedem às consultas de medicina dentária via SNS ou ao cheque-dentista: 2,5%. Os restantes 97,5% fazem-no de modo particular ou através de seguro. São números que expressam a falta de investimento público no acesso à saúde oral dos portugueses, inibindo-os a um direito constitucional.

O Governo aponta a bússola para o Programa Prioritário de Saúde Oral – estava previsto para 2024 –, em que é expectável um plano de ação assente na complementaridade entre setores público, privado e social, englobando neste desígnio os ministérios da Saúde, da Segurança Social, Educação e da Juventude. O estudo feito pela OMD junto da população mostra, sem surpresa, que a grande maioria dos inquiridos (96,3%) acredita que o Governo deveria comparticipar os tratamentos dentários, tal como faz com os medicamentos.

Convém recordar que, além das consequências para a saúde geral, a ausência de cuidados de saúde oral tem um impacto tremendo, em diferentes dimensões, nas desigualdades sociais, no absentismo e na autoestima. Recorrer à rede instalada de clínicas e consultórios privados, potenciar as parcerias público-privadas para criar condições de acesso a estes cuidados e envolver os vários ministérios na definição de programas para a saúde oral, é, na visão da OMD e que consta da estratégia recentemente criada pela OMS, o caminho a fazer com urgência. Só assim poderemos almejar mais e melhor saúde oral para os portugueses, que se traduzirá em mais e melhor saúde geral, e em mais qualidade de vida.

Miguel Pavão, Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas