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A sala de aula é um daqueles espaços de memórias comuns com os quais facilmente nos identificamos em qualquer obra de ficção. Entre muitas cenas míticas, há dois filmes de que me lembro sempre quando penso nesse ambiente. Em primeiro lugar, a comovente obra-prima de François Truffaut – Os Quatrocentos Golpes, de 1959. Antoine Doinel é a personagem principal, um rapaz de 12 anos, em confronto com o padrasto, com a mãe, com a escola e com o mundo. Um filme com muitos aspetos autobiográficos do realizador francês – ele próprio admitia ter faltado “às aulas frequentemente para ver filmes no cinema”. Aquela cena final, na praia, é um tratado sobre a magia do cinema e uma das mais bonitas da Nouvelle Vague. É “só” uma câmara e um jovem ator, um olhar e um frame eterno.

O outro filme de que falo é português, Manhã Submersa, realizado em 1980 por Lauro António. Trata-se de uma adaptação do romance de Virgílio Ferreira, de 1954, também este com muitas referências autobiográficas, nomeadamente aos seis anos que o autor passou no Seminário do Fundão. Também neste filme, para além da sensibilidade extrema com que nos é contada a história do jovem António – a personagem principal, o que nos fica da sala de aula é o ambiente severo e de extrema austeridade.

Realidades de tempos muitos diferentes dos de hoje mas com sensações e sentimentos que não perdem atualidade. As grandes obras são assim mesmo, despoletando empatia e humanidade que permitem a identificação plena do espectador ou do leitor com personagens eternas.  

A educação e o ensino são o tema central desta edição da Mais Magazine. Daí esta minha entrada, claro. E não posso deixar de referir ainda uma outra personagem que me remete imediatamente para os bancos da sala de aula – o Filipe, amigo da Mafalda, de Quino. Podia referir o Manelinho, o típico mau aluno, sempre desinteressado em aprender e só preocupado com o lucro da mercearia do pai. Ou a própria Mafalda, com as suas perguntas irreverentes e tantas vezes inconvenientes, não só para a professora, mas para os próprios pais. Mas o Filipe é uma personagem mais completa e menos estereotipada neste tema – ele detesta a escola mais do que qualquer outro dos seus amigos, mas o seu sentido de responsabilidade não o deixa faltar nem deixar de ser bom aluno, por mais que a sua mente sonhadora o leve constantemente para longe dali.