: 23 de Maio, 2025 Redação:: Comentários: 0

Quando o leitor dedicar algum do seu tempo e atenção a este artigo, passaram poucos dias desde as eleições de 18 de maio. Mas por imperativos editoriais, este artigo está a ser escrito antes dessa data. Como dirigente sindical, poderia ter recusado o convite que me foi formulado, aguardar os resultados eleitorais, adaptar as palavras e só depois retomar o diálogo reivindicativo. Mas essa não é, nem nunca foi, a postura da Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE). A nossa atitude foi, é e será a de uma total independência face a partidos ou ciclos políticos.

A ASPE não se rege por conveniências de momento, mas por princípios sólidos e uma missão clara: defender, com firmeza e coerência, os direitos e a dignidade dos enfermeiros portugueses, independentemente dos governos. Os problemas estruturais da Enfermagem – que são também os da Saúde – não esperam pela política. Exigem respostas urgentes, sustentadas e responsáveis. Nas comemorações deste ano do Dia Internacional do Enfermeiro (DIE) – que se assinalou a 12 de maio – o International Council of Nurses chamou a atenção para uma realidade incontornável: o bem-estar e as condições de trabalho dos enfermeiros estão diretamente ligados à saúde das populações e ao desempenho económico dos sistemas de saúde. Num momento em que uma crise global de enfermeiros coincide com uma crescente procura por cuidados de saúde, Portugal não é exceção. As medidas que a ASPE tem vindo a apresentar ao longo do tempo traduzem, de forma objetiva, o que os enfermeiros há muito exigem – não por capricho, mas por uma questão de justiça laboral e social. São medidas que promovem a qualidade dos cuidados de saúde, a valorização da profissão e o respeito pela dignidade de quem cuida, todos os dias, nos mais diversos contextos.

Em primeiro lugar, é urgente firmar com o novo Governo um Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) para os enfermeiros que exercem no Serviço Nacional de Saúde (SNS) – negociação iniciada pela ASPE junto do Ministério da Saúde em 2019. Não é admissível que, em pleno Séc. XXI, a Enfermagem seja a única profissão da Saúde que não possui um ACT comum aos serviços públicos. Não é aceitável que o exercício da profissão tenha na sua base regras ou condições que diferem, numa mesma instituição ou no SNS, consoante o tipo de vínculo, contrato ou entidade empregadora. Vivemos num mundo cada vez mais instável e imprevisível. Nele, 61% dos enfermeiros que exercem na União Eu-ropeia* admitem níveis consideráveis de tensão profissional – o dobro da média de outras profissões. Estudos recentes também mostram que mais de 50% dos profissionais de saúde ponderam abandonar as suas funções, pressionados por uma sobrecarga de trabalho crónica. Para cativar e reter profissionais de saúde e combater a escassez de enfermeiros, precisamos de normas que garantam estabilidade e previsibilidade na organização do tempo de trabalho/trabalho extraordinário; remunerações ajustadas às qualificações, competências e ao desempenho. Um ACT também estabelece regras sobre a mobilidade no seio da ULS e entre unidades do SNS; permite a igualdade na carga horária e na definição dos dias de férias, entre outros aspetos.

Em outubro de 2024, a ASPE pediu a conciliação do “seu” ACT junto do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, pedido esse que não teve resposta. Mas não desistiremos. A ASPE vai apresentar esse mesmo documento aos novos responsáveis políticos. Depois, é fundamental que o desgaste físico e a penosidade da profissão sejam contemplados não só no âmbito das condições de trabalho, mas no final da vida ativa. Por isso, a ASPE vai continuar a defender a aposentação aos 60 anos de idade ou 36 anos de carreira contributiva. Esta seria uma medida de reconhecimento por aqueles que durante décadas garantiram cuidados à população.

Decorrente da recente aprovação da Lei n.º 51/2025 – que, por iniciativa de uma petição da ASPE, terminou com as posições intermédias nas tabelas remuneratórias – é preciso assegurar que ela é devidamente aplicada. É essencial que as instituições de saúde procedam à reconstituição do posicionamento remuneratório dos enfermeiros abrangidos por este diploma, sendo que a ASPE vai reivindicar o pagamento de retroativos desde 2019 – altura em que se produziu uma injustiça que comprometeu carreiras e desmotivou muitos profissionais.

Salienta-se ainda que é imperativo que o sistema de avaliação de desempenho (SIADAP) se adeque às especificidades da profissão e que seja operacionalizado correta e atempadamente. Da mesma forma, impõe-se a definição de quadros de pessoal de Enfermagem por tipologia de instituição e de serviço, com dotações mínimas obrigatórias de enfermeiros especialistas e enfermeiros gestores. A ausência destas normas compromete a segurança dos cuidado e coloca em risco utentes e profissionais. Neste âmbito, é igualmente urgente que se definam critérios claros e justos para acesso a cargos de gestão, evitando assim que sejam selecionadas pessoas sem as necessárias competências.

Outra das medidas que a ASPE continuará a defender será um novo modelo de organização das Unidades de Saúde Familiar (USF), de forma a melhor alocar as competências dos profissionais às necessidades da população. Com este modelo também se pretende aumentar o acesso dos cidadãos aos Cuidados de Saúde Primários. Assim, defende-se que a vigilância da saúde de grávidas de baixo risco, puérperas e crianças passe a ser assegurada por enfermeiros especialistas em Saúde Materna e Obstétrica e em Saúde Infantil. Os médicos de família poderão, assim, disponibilizar mais tempo às situações de doença aguda dos seus utentes. Estas são apenas algumas das propostas ASPE mais prementes. Elas traduzem o compromisso de quem conhece o terreno e não se resigna. O nosso compromisso é com todos os enfermeiros – em especial com os nossos associados – e com os cidadãos que dependem dos seus cuidados.

Porque acreditamos que um país justo e evoluído se constrói também pela forma como trata os seus enfermeiros.

*Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e da Comissão Europeia