O SEP (Sindicato dos Enfermeiros Portugueses) é uma força sindicalista que há 35 anos que luta diariamente pelos direitos do setor da enfermagem em Portugal. Guadalupe Simões, dirigente nacional do SEP, aborda à Mais Magazine as principais reivindicações do setor e o papel dos sindicatos como “motores de progresso” na construção de uma “sociedade mais justa em que a todos é oferecido igualdade de oportunidades”.
Quais os objetivos que levaram à criação do SEP, há 35 anos atrás?
A transformação do sindicato dos enfermeiros da zona sul em sindicato nacional, no caso o sindicato dos enfermeiros portugueses, decorreu de uma exigência por parte dos enfermeiros das regiões norte e centro, descontentes com o sindicalismo promovido pelos sindicatos das respetivas regiões. À data discutia-se, para além da valorização da carreira, a integração do ensino de enfermagem no ensino superior e o regulamento do exercício profissional dos enfermeiros. No essencial, foi o que motivou a mobilização dos enfermeiros. Face a isto, em Assembleia Geral, os sócios do Sindicato dos Enfermeiros da Região Sul e Açores decidiu acompanhar a exigência daqueles enfermeiros e alargou o âmbito para nacional, tendo sido criado o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses.
Importa esclarecer que após o 25 de Abril de 1974, os sindicatos de enfermagem estavam organizados por regiões, sendo que o Sindicato dos Enfermeiros da Região Sul incluía a região dos Açores e, a Madeira tinha e continua a ter um sindicato.
De que forma o SEP defende os direitos dos enfermeiros portugueses? Quais as medidas e programas postos em marcha neste sentido?
Desde sempre pugnamos por fazer um sindicalismo de proximidade, razão pela qual para nós é importante ter delegados sindicais em todas as instituições do país, seja no setor público, seja no privado ou social. Só conhecendo a realidade e os problemas concretos podemos desenvolver uma intervenção que pode ser só do foro sindical ou, caso necessário, do contencioso. A eleição de delegados sindicais é um continuum não só porque existem problemas que teimam em não se resolver, como a carência de enfermeiros, e decorrente disto a desregulamentação dos horários de trabalho que é hoje um dos maiores problemas reportados pelos enfermeiros, independentemente do setor onde trabalhem.
Atualmente, quais as principais reivindicações do setor?
A valorização da Carreira de Enfermagem no setor público e a valorização dos contratos coletivos de trabalho nos setores privado e social. No caso da carreira no setor público, repor a paridade com a carreira técnica superior da administração pública e outras do setor da saúde é agora uma absoluta prioridade. Em paralelo, a admissão de mais enfermeiros. Os milhões de horas extraordinárias que os enfermeiros são obrigados a fazer todos os anos tornou-se insustentável precisamente pela desregulação de horários que provoca e, por arrastamento, a quase impossibilidade de as enfermeiras poderem organizar a vida profissional com a pessoal. Com o mesmo nível de importância, outra das nossas reivindicações é a compensação pelo risco e penosidade da profissão. O risco e a penosidade pela natureza das nossas funções ainda que possam ser minimizados, nunca desaparecem e num contexto de trabalho anos e anos a fio sem o cumprimento das dotações seguras, significa que todos os enfermeiros estiveram, estão e estarão a trabalhar por aqueles que deveriam estar e nunca estiveram. Alterar os critérios para a aposentação é outras das reivindicações mais prementes. Naturalmente que a resolução de problemas que decorrem, ainda, da contagem de pontos (transformaram anos de serviço em pontos) para efeitos de progressão, continuam em “cima da mesa”. Fomos o único sindicato que não assinou acordo sobre esta matéria, desde logo pela intransigência do governo em não pagar retroativos desde 2018 e porque muitos enfermeiros iriam ser vítimas de inversão de posicionamento relativo quando comparados com outros. Desde 2019, seja por pressão institucional ou nacional (Ministério da Saúde, Grupos Parlamentares, Tribunais), temos conseguido ultrapassar algumas das situações, mas, inadmissivelmente, apesar de existirem orientações do Ministério da Saúde muitas são as instituições que ainda não acomodaram essas orientações resultando em grave prejuízo para os profissionais.
O setor dos enfermeiros enfrenta tempos de elevada incerteza e agitação, com a realização de várias greves na busca pela defesa dos seus direitos, sendo uma profissão que é alvo de um desate físico e mental notório a todos. Na sua visão, quais os principais problemas que afetam atualmente o SNS e que medidas poderiam ser tomadas para reverter o panorama atual?
O desinvestimento no SNS é hoje identificado como o maior problema. Apesar de nos últimos anos o orçamento do SNS ter vindo a aumentar, a verdade é que, em todos esses anos nunca foi utilizado na sua totalidade devido às cativações. Daí resultou a não aquisição de equipamentos absolutamente necessários e/ou outros tantos não tenham sofrido as intervenções necessárias que garantiriam um melhor funcionamento. Esta realidade contrasta com uma outra que é o aumento exponencial dos gastos em saúde em consequência ao aumento da esperança média de vida e consequente prevalência de doenças crónicas e doenças graves que necessitam de tratamentos mais dispendiosos e prolongados e, até, a criação de outros serviços que correspondam às novas necessidades em saúde, por exemplo, a rede de cuidados de saúde mental, cuidados paliativos, cuidados continuados, hospitalização domiciliária, não esquecendo a necessidade do país dever estar preparado para o aparecimento de novas doenças e/ou o reaparecimento de outras. O caso e a experiência da pandemia da Covid-19 são paradigmáticos. Neste contexto, aumentar o investimento, seja em recursos materiais e equipamentos, seja em recursos humanos é absolutamente fundamental.
Este mês celebram-se os 50 anos da revolução de abril, um momento marcante para o nosso país e para todas as instituições que defendem diariamente os interesses democráticos, tal como são exemplos os sindicatos. Na sua opinião, qual o papel dos sindicatos, e do SEP em especial, na manutenção de uma sociedade mais justa, igualitária e democrática?
Os sindicatos são motores de progresso e, nesse contexto, têm um papel determinante na exigência continuada dessa sociedade mais justa em que a todos é oferecido igualdade de oportunidades. De referir que “igualdade de oportunidades” não é o mesmo que “todos são iguais”. Todos devem ter a oportunidade de fazer um percurso escolar e académico ou todos devem ter direito ao acesso à saúde, ou todos devem ter direito ao acesso a uma habitação condigna e a preço justo, etc. Naturalmente que o livre arbítrio de cada um determinará o caminho a seguir. O que não podemos aceitar, enquanto sindicato, é que em pleno século XXI se mantenha e aprofunde a exploração de quem trabalha em benefício de uns quantos, poucos. É inaceitável, por exemplo, que no nosso país as empresas associadas ao turismo tenham lucros brutais, mas aos trabalhadores continue reservado o trabalho precário, sazonal e com baixos salários. Este é um exemplo, mas outros existem, como a EDP, os CTT, as empresas de distribuição, etc.
O combate por melhores condições de trabalho e de vida para os trabalhadores portugueses, em concreto para os enfermeiros, é diário, muitas vezes incompreendido até pelo tempo que leva a atingir os resultados desejados. Às vezes coisas tão simples como a reafirmação que os trabalhadores não são colaboradores. Os trabalhadores vendem a força do seu trabalho, os seus conhecimentos mais ou menos especializados, as suas competências e a responsabilidade que vão assumindo em troca de dinheiro, do salário e esse deve, obrigatoriamente, compensar todos estes fatores.
Quais as metas a curto/médio prazo que o SEP pretende alcançar enquanto entidade e enquanto defensora dos direitos dos enfermeiros em Portugal?
A valorização da carreira de enfermagem e seremos acérrimos lutadores, como sempre fomos, na defesa do SNS que entendemos deve ser reconstruído na sua matriz pública. Hoje, ao contrário do que é propalado por muitos, fruto do desinvestimento incluindo nos recursos humanos, o serviço público de saúde está a ser delapidado pelos muitos milhões que já paga ao setor privado, à cabeça, à indústria farmacêutica e depois aos grupos económicos que asseguram os exames complementares de diagnóstico como é o caso da imagiologia. O SNS tem que ter a capacidade de internalizar este último segmento e os governos têm que ter a capacidade e a vontade (muitos não a querem ter) de exigir o pagamento justo pelos medicamentos.
Que mensagem de esperança gostava de deixar aos enfermeiros do país?
Os enfermeiros são o único grupo profissional na saúde que assegura a continuidade de cuidados e por isso são um dos pilares dos serviços de saúde, sejam públicos, privados ou sociais. Apesar da relutância dos sucessivos governos em fazer traduzir isso no salário dos enfermeiros, não temos dúvidas que essa valorização vai acontecer. Esse é o compromisso do SEP, lutar como sempre fez, em conjunto com os enfermeiros, para a melhoria das condições de vida e de trabalho de todos.