: Mais Magazine:: Comentários: 0

Portugal é um país extremamente rico em património, desde artefactos religiosos, percursos antigos e edifícios seculares. Naturalmente, a passagem do tempo leva ao desgaste de obras que datam de há muitos séculos, sendo uma tarefa fulcral a preservação no tempo da história e identidade por detrás de cada artefacto. É neste sentido que surge a AOF, uma empresa familiar que se especializa na conservação e restauro de importantes peças artísticas, sem nunca deixar cair a originalidade e aura identitária de cada uma, tal como nos conta Filipe Ferreira, CEO da AOF.


A AOF é uma empresa familiar com mais de 65 anos de atividade. Comece por nos falar um pouco sobre a história da sua empresa.
A AOF começou com o meu Pai, que tinha a paixão pela reabilitação e edifícios antigos. Tirou o curso e era professor numa Escola Técnica em Braga, mas deixou a atividade de professor para fundar a empresa. Começou por fazer restauros em casas e começou a ganhar nome no mercado, como pessoa competente e séria. Fez obras de referência na cidade, como, por exemplo, o restauro do Palácio dos Biscainhos, cujo Dono de Obra era a Junta Distrital de Braga, entre outras. Depois foi recomendado para trabalhar para a Direção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), maioritariamente na Região Norte (DREMN – Direção Regional de Edifícios e Monumentos do Norte), entidades com que trabalhou durante muitos anos, até à sua extinção, em 2007. Começamos a trabalhar com outros organismos no âmbito da intervenção no Património, como o IPPC, o IPPAR, IGESPAR, IPM, e atualmente DGPC e Direções Regionais do Cultura (DRCN, DRCC, DRCLVT, DRCAlentejo), entre outras.

Entretanto, alargamos o raio de ação a todo o território nacional, tendo trabalhado em obras emblemáticas, públicas e privadas, a par da conservação e reabilitação do património construído corrente, nas situações de respeito pelas pré-existências, tentando proteger, salvaguardar o Património monumental e corrente. Entretanto, fomos alargando o âmbito dos trabalhos efetuados, tendo na empresa quase todas as especialidades ao nível do nosso trabalho: Conservação e Restauro de património arquitetónico (cantarias, estuques artísticos, carpintarias, tabiques, talha, coberturas entre outras).

Criamos o Laboratório de Conservação e Restauro (onde fazemos as diversas intervenções no património móvel e integrado, como altares, imagens, douramentos, talha, restauro de metais e têxteis). Temos, nos quadros da empresa, vários Técnicos Superiores de Conservação e Restauro. Temos também equipas de Conservação e Restauro em ambiente de obra. Criamos uma secção de Serralharia Artística, dado ser usual a necessidade de intervir em metais, como o ferro, o chumbo e outros. Criamos recentemente uma secção de zinco e cobre, para intervenção em revestimento de coberturas e empenas e outros trabalhos artísticos.

Qual a vossa missão e que tipo de serviços prestam a quem vos procura?
A missão da AOF é a proteção do Património, seja ele Arquitetónico, Artístico/ Integrado, Industrial, Património Corrente, entre os vários patrimónios que existem. Não podemos esquecer o Património do século XX, existindo já construções classificadas como tal.

Nesse objetivo prestamos serviços de reabilitação, conservação e restauro de construções, incluindo reconversões, como a adaptação a novos usos e tipo de ocupantes. Fazemos trabalho de Conservação e Restauro do Património Artístico, com já referi. Os nossos clientes são entidades públicas, civis e religiosas, e pessoas singulares. Portugal não é só monumentos. A maioria são construções correntes, que necessitam e merecem ser cuidadas e reabilitadas.

Quais os valores e caraterísticas identitárias da AOF e que vos tornam diferenciados das restantes empresas do ramo de atividade onde se inserem?
O trabalho específico que a AOF faz é, por si só, uma diferenciação. Defendemos as boas práticas do saber fazer, já em declínio, mas que insistimos em manter, dando formação aos nossos colaboradores. Procuramos a perfeição e temos um relacionamento facilitador com o Cliente / Dono de Obra, procurando soluções e minimizando problemas que estão sempre a surgir em todas as áreas.

Quantos funcionários a AOF emprega? Atualmente, existe dificuldade em recrutar mão de obra altamente qualificada para a execução dos vossos serviços?
No total a AOF tem 86 colaboradores no quadro da empresa. Existe muita dificuldade em recrutar mão de obra altamente qualificada. Como é do conhecimento de todos, são profissões pouco apelativas para os jovens de hoje, habituados aos novos tipos de trabalho, como os relacionados com a informática. As facilidades de aceder ao subsídio desemprego são grandes, sendo vulgar recusarem o emprego. Por outro lado, as novas modalidades de trabalho à distância, como o teletrabalho, desmotivam as pessoas quando têm que se deslocar para trabalhar fora do seu local de residência. Os salários baixos quando comparados com os do resto da Europa desmotivam e são um atrativo para a emigração e estamos a falar de jovens que, como estão no início da sua vida ativa, têm muito para dar a um país.


Que tipos de artefactos a AOF está disponível para restaurar? Os artefactos/edifícios religiosos correspondem à grande fatia do volume do vosso trabalho?
Podemos dizer que sim. Uma grande parte do nosso património é religioso, como igrejas, conventos e outras obras de caráter religioso. Estamos a falar na arquitetura e estrutura dos edifícios e de todo o seu recheio. Contudo, há vários edifícios de caráter não religioso que também necessitam dos mesmos cuidados, quer ao nível do seu exterior, quer ao nível do seu património interior. O Património Monumental não é só religioso. Pode ser de caráter militar, pois temos uma grande quantidade de construções de defesa, fortalezas como castelos, muralhas e outros.
Não podemos esquecer as obras viárias, com estradas, caminhos antigos, pontes antigas. Temos feitas muitas intervenções em jardins históricos, tanto ao nível do património escultural e hidráulico, como fontes, pavimentos e jardins. Temos uma grande quantidade de intervenções de reabilitação em edifícios de construção corrente, edifícios e sítios, que são uma grande percentagem do trabalho da AOF e uma realidade, necessidade e grande preocupação nos nossos dias, como se verifica pela grande relevância em termos de divulgação pública.

Quais os trabalhos de restauro que realizaram no passado e que vos traz mais orgulho? Atualmente, que trabalhos têm em mãos?
A AOF tem o máximo orgulho em todos os trabalhos que realizou, porque inseridos na sua área de trabalho, que defende. Naturalmente que houve trabalhos que deram maiores preocupações e responsabilidades, visibilidade e prazer na sua execução, mas é difícil escolher e enumerar. Atualmente estamos com os seguintes trabalhos, entre outros: Sé Catedral do Porto; Palácio e Convento das Necessidades em Lisboa; Palácio Foz, em Lisboa; Mosteiro de Leça do Balio, em Matosinhos; Casa de Valle Pradinhos, em Macedo de Cavaleiros; Capela de Nossa Senhora de Padim da Graça, em Braga; Sé Catedral de Viseu; Convento de S. Francisco em Braga; Palácio Nacional de Mafra; Museu dos Biscainhos, em Braga; Mosteiro de Santa Clara a Velha, em Coimbra; Fundação Instituto Marques da Silva, da Universidade do Porto; Igreja do Convento de Paderne, em Melgaço; Igreja de São Francisco, no Porto; Igreja de São Vicente, em Braga; Edifício da Casa Cedo, no Porto; Edifício na Rua da Bandeirinha, no Porto; Edifício da Antiga Cadeia da Relação do Porto – Centro Português de Fotografia, no Porto; entre outras.

O trabalho de conservação e restauro é bastante minucioso e requer alta atenção aos detalhes dos objetos e respeito pela conservação das suas caraterísticas históricas. Quais os principais desafios e dificuldades que o restauro de uma obra envolve?
Em síntese, o principal desafio é o respeito pela obra e pela sua história, seja uma construção, uma peça de arte decorativa, escultura e imagem, uma pintura. Uma dificuldade é datar a obra e as suas intervenções anteriores ao longo do tempo. Depois decidir sobre o que deve ser mantido, de modo a regressar ao tempo em que a construção ou obra de arte teve mais unidade e coerência. Um exemplo são os repintes em pintura de cavalete e mural. Outro caso são acrescentos arquitetónicos e volumétricos, perfeitamente dissonantes com a pré-existência e com uma idade de intervenção recente. Quando esses acrescentos têm já bastante idade, a decisão de reversão torna-se muito complexa, pois já assumiram um estatuto na história da construção/obra. São dois exemplos entre muitos outros.
É fundamental haver um entendimento conjunto de todas as partes envolvidas, desde a História de Arte, até à execução por técnicos especializados com formação para intervenções em Património. Poderemos enumerar também, o Dono de Obra / Promotor, a Equipa Projetista, as Equipas de Arqueologia (Dono de Obre e Executante), A Equipa de Fiscalização de Obra, A Equipa de Coordenação de Segurança em Obra. Todos são importantes, embora naturalmente com responsabilidades diferentes. Uma construção, na maioria dos casos, muda de tipo de utilização. Os mosteiros e conventos já são sobre dimensionados atualmente, as fortificações obsoletas, os palácios já não têm a mesma função, na realidade social atual, as famílias são muito menos numerosas e as sucessivas gerações procuram novas casas, na maior parte das vezes, não habitando com os pais e os avós. É fundamental adaptar os edifícios a novos usos, adaptar a sua estrutura a novas sobrecargas, respeitando ao máximo a sua identidade.

A AOF é uma empresa que conquistou uma posição de grande relevo no panorama nacional e coleciona várias premiações. O que significam estas distinções e qual o segredo para o sucesso?
Significam o reconhecimento do trabalho da AOF, que é, para nós, o mais importante. A AOF está associada a vários prémios nacionais e até internacionais (Europa Nostra). O segredo do nosso sucesso é a dedicação ao trabalho e o gosto enorme em trabalhar no Património.

Quais os objetivos para o futuro da AOF?
Continuar com o percurso que estamos a fazer, na tentativa de uma melhoria contínua, de acordo com a evolução dos conceitos das boas práticas em Reabilitação, Conservação e Restauro em Património móvel e edificado. O nosso objetivo é a constante procura pela perfeição.