: 23 de Maio, 2025 Redação:: Comentários: 0

Chegou a Portugal sem nada e construiu o sucesso do zero, abrindo o seu próprio escritório de advogados. Claudete Teixeira, filha de retornados de Angola, encontrou na advocacia não apenas uma vocação, mas uma forma de dar voz a quem mais precisa. Em entrevista à Mais Magazine, Claudete fala sobre os desafios de proteger crianças em contextos familiares hostis, a paixão que a move na advocacia, o papel social dos advogados e a luta desigual que ainda enfrentam as mulheres nesta profissão.

Comecemos esta entrevista por nos contar um pouco sobre o seu percurso.

Gostaria de começar por dizer que eu também já fui considerada uma espécie de imigrante mal vinda. Eu e a minha família toda. Em concreto, eu sou uma “retornada”. Embora a minha mãe seja portuguesa e o meu pai tenha ascendência portuguesa, o meu pai já havia nascido em Angola, e eu e os meus irmãos, exceto o mais novo que já nasceu em Portugal, todos nascemos em Angola. Quando a minha família regressou a Portugal em 1981, após o 25 de Abril, todos nós éramos olhados de lado, e diziam que nós vínhamos tirar o emprego aos “verdadeiros” portugueses que cá estavam e que a nossa vinda só iria piorar as condições de vida dos “verdadeiros” portugueses. Ninguém queria aqui os retornados e ninguém confiava nos retornados. E sem me alongar mais direi apenas que eu, e toda a minha família, somos o exemplo vivo, de que mesmo aqueles que quando chegam não têm absolutamente nada, e precisam de ajuda, podem ser pessoas muito válidas e que podem vir a aportar uma grande mais-valia ao país. Portanto, esta tendência que às vezes existe de olhar para a diferença com medo ou sentimento de superioridade, olhando para a fragilidade do estrangeiro pobre com desprezo ou sobranceria, a mim faz-me muita confusão e, francamente, acho não leva a sociedade para nenhum lugar bom.

A sua paixão pela advocacia sempre esteve presente na sua vida ou foi algo que surgiu em algum momento específico do seu percurso académico?

Eu acho que a paixão pela Advocacia nasceu comigo, embora tenha sido a partir dos 14/15 anos que tomei a decisão de que queria ser advogada e que desde esse momento passei a trabalhar para esse objetivo. E a verdade é que continuo a trabalhar todos os dias para esse objetivo. A Advocacia faz parte de mim como um órgão do meu corpo.

Posteriormente, como surgiu a oportunidade de abrir o seu próprio escritório de advogados?

A oportunidade surgiu depois de eu passar vários anos a trabalhar para um outro escritório de advogados e era o passo natural que se impunha para que eu pudesse crescer profissionalmente e num ambiente de trabalho responsável, combativo, mas salutar. E, graças a Deus, foi uma decisão bem-sucedida e o meu escritório tem vindo a crescer e temos vindo a ampliar a nossa equipa e a trabalhar todos os dias para prestar o melhor serviço possível a quem nos confia os seus assuntos.

Em que áreas do Direito atuam?

As nossas áreas de maior atuação são o direito da família e das sucessões, direito do trabalho, assessoria jurídica a empresas, o direito civil (contratos, responsabilidade civil contratual e extracontratual) e a propriedade intelectual. Com alguma expressão também o direito administrativo e o direito penal.

Ao longo do seu percurso, a Claudete especializou-se no ramo do direito de Família. Qual foi o impacto que esta escolha teve na sua vida?

Os processos de direito da família e das crianças são os que me tiram o sono. Acredito que nada seja mais impactante na vida das pessoas do que a vida e o destino dos seus filhos. Isto, naturalmente, para quem vive a parentalidade com a entrega com que deve ser vivida. Ora, quando nestes processos está em causa a segurança, o bem-estar e até a saúde física ou emocional destas crianças e um dos pais confia em nós para conduzirmos o processo de modo a que o tribunal possa tomar a decisão que melhor acautele o interesse destas crianças, a responsabilidade que temos em mãos é avassaladora. E se, por um lado, é esse sentido de responsabilidade, do qual eu não me consigo desligar até ao dia em que o processo se encontra findo, que me ajuda a conduzir o processo da melhor forma possível, por outro lado, aporta para mim, um problema que eu passo a levar comigo para todo o lado, todos os dias.

Quão difícil pode ser proteger crianças que sejam envolvidas em processos entre os seus pais?

As questões mais complexas, habitualmente, são aquelas em que há agressões graves às crianças (físicas, emocionais ou sexuais) e cuja prova seja difícil. Situações de crianças de tenra idade que não se consigam expressar, e em que o único elemento que existe é a palavra do outro progenitor, situações de crianças que são manipuladas por algum dos progenitores e que não contam o que se passa quando são ouvidas. Cenários de progenitores que, aparentemente, são pessoas perfeitamente funcionais e inseridas, mas que têm distorções de personalidade, problemas do foro psiquiátrico ou até problemas de adições que não estando diagnosticados se tornam complicados de provar em tribunal. E algumas das perícias que são feitas quer às crianças, quer aos progenitores, para prova destas situações, nem sempre são feitas com o rigor com que deveriam sê-lo.

Quais os principais desafios e questões mais complexas e sensíveis que encontrou na área do direito de Família?

Às vezes é preciso constatar o óbvio, por isso vou dizê-lo: nem todas as pessoas que são pais e mães, são boas pessoas.

Há pessoas cujos comportamentos e posturas nos fazem pensar algo muito duro: que nunca deveriam ter sido pais. E entre estas não estão apenas as que acabam presas porque agrediram violentamente os filhos ou os mataram. Os psicopatas vivem entre nós e, a olho nu, são considerados uns simpáticos ou distintos cidadãos. Mas por detrás de uma máscara de sanidade e sociabilidade, está um indivíduo que, em privado, agride, manipula e maltrata psicologicamente os seus familiares, traumatizando-os muitas vezes para sempre. Ora, a dificuldade às vezes está em provar que aquele pai ou mãe, que tem um discurso completamente normal, que é inteligente e sabe dizer o que o outro espera ouvir, que é agradável, sedutor, culto e instruído, é também um agressor, um predador, egocêntrico e narcisista, cuja relação que tem com os filhos é a mesma que tem com o seu carro ou o seu telemóvel. Mentem sem escrúpulos, com ausência total de empatia, sentimentos de culpa ou vergonha. Uma pessoa com estas características não deveria nunca ter crianças aos seus cuidados. Porém, levar isto a um tribunal de família torna-se, de facto, um grande desafio.

Que conselho daria aos pais nessas situações?

O meu conselho seria, desde logo, para quem ainda não é pai ou mãe: conheçam e escolham muito bem a pessoa com quem vão ter filhos. Essa será, provavelmente, a decisão mais importante das suas vidas. Mais importante do que a escolha do curso que se vai tirar, a profissão que se vai ter, e até a pessoa com quem se vai casar, é a escolha do pai ou mãe dos nossos filhos.

Como se pode proteger as crianças que sejam envolvidas em processos entre os seus pais?

Quando há capacidade de insight dos pais, e potencial de mudança, o que há a fazer é ajudar os pais a lidar com o conflito parental em que estão envolvidos, de modo a que tomem as decisões que mais protegem o filho desse conflito, e que privilegiem uma relação saudável e securizante com ambos os progenitores. Poderá ser necessário sensibilizar os pais para os danos que são provocados nas crianças pelo facto de serem expostos ao conflito parental, ou ao afastamento injustificado de um dos progenitores e, em algumas situações, até mesmo muni-los de informação e estratégias para que aprendam a fazer diferente. Quando não há capacidade de insight, nem potencial de mudança, o que há a fazer é afastar a criança do agressor ou tornar os convívios com esse progenitor mais controlados e supervisionados. Mas como será de imaginar, estamos perante situações complexas e para as quais não há soluções perfeitas.

Fez também recentemente uma pós-graduação em direito do trabalho. O que a levou a tomar essa decisão?

Desde logo, porque gosto mesmo de estudar o Direito e se tivesse mais tempo disponível, mais pós-graduações faria, até porque é muito importante mantermos os nossos conhecimentos atualizados. Mas neste caso em particular, foi especialmente porque a área do direito do trabalho teve uma grande expansão no escritório e eu quis atualizar e aprofundar os meus conhecimentos nesta área.

Celebrámos este mês o Dia do Trabalhador, acha que a legislação portuguesa protege os direitos dos trabalhadores?

Eu acho que, em geral, protege. Talvez as áreas sensíveis continuem a ser as associadas à parentalidade e à conciliação da vida pessoal com a vida profissional, mas ao longo dos anos têm vindo a ser dados passos importantes no sentido de cautelar esses direitos.

O dia 19 de maio celebra o Dia do Advogado, uma efeméride que pretende realçar e valorizar o papel do advogado. Na sua ótica, qual a importância do Advogado na sociedade contemporânea?

O papel do advogado é, e sempre será, fundamental e insubstituível. O advogado é o primeiro garante dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. E o recurso ao aconselhamento jurídico de um advogado deve ser, desde logo, preventivo. As pessoas devem, cada vez mais, fazer uso da advocacia preventiva, procurando a ajuda de um advogado antecipadamente, para evitar que surja um problema. Qualquer contrato deve ser feito ou, pelo menos, revisto, por um advogado, tal como qualquer interpelação para cumprimento de uma obrigação, por exemplo. Até mesmo antes de casar as pessoas deveriam aconselhar-se com um advogado, pois a escolha do regime de bens não é algo de somenos importância e acredito que muitas vezes as pessoas não têm total perceção das consequências da escolha que fazem ou das opções que teriam à sua disposição.

Infelizmente, na área da advocacia, as mulheres não têm ainda o mesmo tipo de direitos que as outras mulheres no mundo do trabalho. Qual o comentário que esta disparidade lhe merece?

Os anos passam, os governos passam e esse é um tema em que ninguém quer tocar. As advogadas portuguesas não têm direitos sociais básicos como a proteção na maternidade, assistência à família, proteção na doença, ou outros. A nossa caixa de previdência privada, a CPAS, para as qual nós (e os solicitadores) somos obrigados a descontar, não nos garante os mesmos direitos sociais que têm os demais trabalhadores independentes. E não só não há qualquer solução para este problema, como o mesmo nem sequer está na agenda de governo nenhum. É incompreensível.

Na sua ótica, quais os principais desafios que a justiça em Portugal enfrenta? A morosidade da justiça é um dos principais desafios a combater? Como fazê-lo?

A morosidade da justiça é um problema grave e que acaba por pôr em causa o acesso efetivo à justiça porque uma justiça que não se concretiza em tempo útil acaba por ficar aquém do seu propósito. Com certeza que haverá quem, com conhecimento profundo do sistema, consiga avaliar como resolver este problema melhor do que eu. Mas, do que eu consigo observar através da minha prática do dia a dia, o principal problema é a falta meios. Seriam precisos mais magistrados, mais funcionários judiciais e mais, e melhores, condições em geral, para que os processos fossem tramitados num tempo mais razoável.

Tendo em conta a exigência da sua área, como consegue encontrar o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal?

O equilíbrio vai-se conseguindo através de muitos desequilíbrios. Por vezes a balança tem de pesar mais para o trabalho, por vezes tem de pender mais para a família. Penso que não haverá outra forma de conseguir fazê-lo. O que não vale a pena é acharmos que conseguimos estar a toda a hora em todo o lado, porque nesse caso acabaremos mais cansados e frustrados.

Quais as metas que gostaria de alcançar profissionalmente?

O meu objetivo é manter tudo o que tenho, que já é bastante e que me deixa realizada e feliz.

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