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Um estudo da OCDE recentemente trazido a terreiro, veio relançar o debate público sobre os impactos da utilização excessiva e desregrada dos dispositivos digitais por parte das crianças e jovens, alertando para os efeitos nefastos ao nível do desenvolvimento social, psicoemocional e afetação do rendimento escolar. Na verdade, o problema é global, embora se enfrente mais abertamente, sendo objeto de um amplo debate público, nas sociedades ocidentais, onde a Liberdade e a Democracia permitem olhar o tema sem censura política, cívica ou moral. Creio que é consensual o entendimento de que o acesso generalizado e descontrolado a conteúdos digitais através de dispositivos móveis que são levados para todo o lado, prejudica o normal desenvolvimento das crianças e jovens, levantando um debate que, a meu ver, não terá nada a ganhar com abordagens radicais que se baseiam em posições extremadas.

Se pensarmos bem, com o advento da televisão, com as cargas de difusão contínua a adensar-se, houve num dado momento um debate relativamente similar, com defensores de uma proibição total que vedasse o acesso dos mais novos à caixa mágica e outras perspetivas mais ponderadas que defendiam um controlo parental mais assertivo, por forma a regrar o consumo televisivo, quer em número de horas, como em tipologias de conteúdos. Compreendo a preocupação das famílias e dos professores, face às consequências que são hoje amplamente conhecidas e estudadas, sobre os impactos negativos da presença permanente da internet na vida dos mais novos, mas tenho muitas dúvidas sobre a eficácia de uma proibição musculada. Eduquei duas filhas, hoje mulheres e cidadãs livres de pleno direito, a quem procurei transmitir valores e princípios de vida que pudessem ajudá-las a fazer escolhas livres e conscientes, demonstrando sempre as vantagens e os inconvenientes com os quais teriam de arrostar na hora de decidir e tomar opções.

Nesse processo de educação que se desenvolveu como uma construção que se eleva desde os alicerces, não raras vezes, eu própria tive que refletir sobre os sinais que os meus comportamentos e atitudes podiam significar para as minhas filhas e, quando foi necessário, tive de me ajustar, para que a forma como me viam e me liam fosse coerente e consequente. Não se pode proibir os filhos de fumar, invocando todos os malefícios que esse vício acarreta para a saúde e ser um fumador inveterado, ou de consumir álcool e beber sem contenção ou norma na presença dos filhos, do mesmo modo que não se pode ver conteúdos televisivos inadequados às crianças e jovens, em horários em que ainda estejam acordados, ou estar permanentemente com o telemóvel na mão a aceder a todo o tipo de conteúdos digitais, nomeadamente à mesa e durante as refeições, e proibir que os filhos nos emitem e sigam o nosso exemplo. É dos livros e da longuíssima experiência de vida revelada por incontáveis gerações de famílias, que o exemplo dos pais é do que há de mais educativo, muito embora, numa ou noutra exceção, possa não ser suficiente.

Educar é, inequivocamente, uma missão que emana da família e nela tem o seu principal referencial ético, cívico, social e moral, mas para que essa missão chegue a bom porto, há todo um trabalho em rede que tem de se pautar pela coerência, pelo equilíbrio e bom-senso, envolvendo a escola, as instituições que dão suporte à família e a sociedade em geral. A sociedade não pode exigir aos jovens que se abstenham de usar seja o que for impondo proibições e regras que, depois, ninguém respeita, sob pena de transformar isso num apetecível motivo para desafiar o poder parental, o poder dos docentes e até o poder das autoridades .Enquanto cidadã, mãe e avó, confesso que também estou preocupada com este problema que ameaça o crescimento harmonioso das crianças e dos jovens, com perturbações do sono, da sua integração social e, no limite, com o seu bem-estar holístico e felicidade, mas procuro, tanto quanto possível, não perder a serenidade e o discernimento, para agir com equilíbrio e bom-senso.

Maria José Rouxinol