Em entrevista à Mais Magazine, Vanessa Navarro, sócia proprietária do VN Advocacia e Consultoria, revela os desafios que enfrentou no início da sua carreira e sublinha a importância do estudo e da atualização contínua no mundo jurídico.
Como e quando é que surge a sua paixão pela Advocacia e o que a motivou a seguir este caminho?
Durante a minha infância e adolescência gostava muito de ler e de escrever. Era apaixonada por história, disciplina na qual obtinha as melhores notas. Tinha também outra paixão, a ginástica artística e a dança. Durante anos participei em apresentações e espetáculos, eram momentos de muita felicidade. Por isso, aos 16 anos, comecei a acreditar que deveria seguir o curso de Educação Física. Conclui o 12.º ano, prestei as provas do Vestibular e fui aprovada em 6.º lugar no curso de Educação Física da ESEFPA (Escola Superior de Educação Física), em Belém do Pará, uma Universidade do Estado do Pará, no Brasil. Contudo, logo no início do curso, percebi que tinha feito a escolha errada. Dei conta de que a atividade física era uma forma de me exercitar e cuidar do corpo, mas não me realizava enquanto pessoa, e Em entrevista à Mais Magazine, Vanessa Navarro, sócia proprietária do VN Advocacia e Consultoria, revela os desafios que enfrentou no início da sua carreira e sublinha a importância do estudo e da atualização contínua no mundo jurídico. muito menos me realizaria profissionalmente. Conversei com o meu Pai, mas ele não concordou que eu deixasse o curso, disse que eu tinha que o concluir e que depois podia decidir o que queria fazer da minha vida. Entretanto, em agosto de 1991, ao retornar das férias de verão, no primeiro dia de aulas do sexto semestre do curso de Educação Física, mais da metade do curso, já tinha tomado a minha decisão. Compareci na Universidade para me despedir dos colegas, é claro que ninguém acreditou quando eu disse que não ia continuar o curso, pois apesar de todos terem conhecimento da minha insatisfação, os colegas acreditavam que eu me ia formar. Mas isso não aconteceu, eu não queria mais perder tempo. Já havia descoberto que a minha vocação era ajudar as pessoas, e a profissão que encontrei para poder ajudar pessoas e, ao mesmo tempo, viver do meu ofício, foi a Advocacia.
Após sair da universidade, voltei a casa, ganhei coragem e comuniquei a minha decisão aos meus pais, que a respeitaram. Porém, avisaram-me que a partir daquele momento eu teria que trabalhar para pagar os meus estudos. A reação não me desmotivou, pelo contrário. Tratei de encontrar um curso, convenci o meu Pai a pagar a inscrição e a primeira mensalidade e comprometi-me a arranjar trabalho para pagar as prestações dos meses seguintes. No primeiro dia de aulas do curso preparatório para o ingresso na universidade consegui fazer amizade com a rececionista, que me contou que ia deixar o seu emprego e que procuravam alguém para a substituir. Era tudo o que eu precisava. Candidatei-me a essa vaga, disse que precisava de trabalhar para pagar o curso, fui submetida a entrevista e passei. Fui contratada para trabalhar e o que ficou acordado foi que iria receber dinheiro para cobrir o valor dos estudos e dos transportes. E assim foi. No dia seguinte, já estava a trabalhar e à noite assistia às aulas. Foi dessa forma que consegui pagar o curso e ingressar na Universidade, no curso de Direito.
No final do ano, prestei as provas do Vestibular, fui aprovada no horário que escolhi, o horário noturno, consegui outro trabalho, e durante os cinco anos do curso de Direito fui eu quem ficou responsável por pagar a universidade. Trabalhei no Shopping, posteriormente fiz estágios remunerados num escritório de Advocacia, depois no Tribunal do Trabalho e no Instituto Nacional de Seguro Social, até concluir o curso de Direito. No segundo semestre do quinto ano da universidade, mesmo sem ter concluído o curso, prestei prova da Ordem e fui aprovada. Ainda não havia diploma, mas já havia inscrição na Ordem, com ressalva de só receber o cartão após a conclusão do curso de Direito. O próximo passo era conseguir trabalho, pois com o fim do curso também chegariam ao fim os meus dois estágios. Conversei com o meu chefe do estágio no TRT, disse que o estágio estava prestes a terminar e que eu já havia passado na Prova da Ordem e, por isso, precisava de trabalhar como Advogada. Ele ajudou-me, indicou o meu nome para trabalhar na Federação dos Trabalhadores do Comércio do Estado do Pará e do Amapá, bem como nos Sindicatos Filiados à Federação. De 1998 até hoje, passaram-se 26 anos e três meses de formação profissional e paixão pelo Direito e pela Advocacia. É com satisfação que olho para trás e vejo o caminho que percorri. Hoje sou Advogada no Brasil e em Portugal, membro da Associação Brasileira de Advogados, na qual faço parte da Comissão de Direitos Humanos, sendo representante da CNDH do Brasil em Portugal, Especialista em Direito Civil, Processual Civil, Direito Internacional e Europeu, Correspondente do Jornal Brasileiro Destake News Gospel em Portugal e, atualmente, estou a fazer um Mestrado em Direito do Trabalho. A Advocacia é uma paixão, é ela que me motiva a levantar da cama todos os dias e a trabalhar com prazer no que eu amo.
Quais são os maiores desafios que enfrenta enquanto Advogada e de que forma tenta superá-los?
Ao longo destes 26 anos enfrentei vários desafios. Trabalhei como Advogada durante 11 anos no Brasil, depois fui nomeada para exercer um cargo de confiança no Tribunal de Justiça do Estado, onde trabalhei como Assessora de Magistrada em Vara Criminal, pelo período de nove anos. Posteriormente, mudei-me para Portugal e vivi cerca de três anos no Porto. Inicialmente trabalhei como Consultora Imobiliária até sair a inscrição na Ordem, mas os escritórios no Porto não me deram oportunidade de trabalho. O Porto é uma cidade onde os Advogados não dão espaço aos Advogados Brasileiros. Das muitas candidaturas que fiz, poucas me deram resposta, e quando me chamavam para uma entrevista e constatavam que eu era brasileira, era o fim. Ouvi muitas frases absurdas do género: “o seu diploma não vale nada aqui”, “a prova da Ordem no Brasil é fácil, qualquer um passa”, “nós não contratamos brasileiros no nosso escritório”, “os brasileiros não têm credibilidade”, entre outras. No Porto, eu só conseguia trabalhar como Advogada Oficiosa.
Cansada dessa situação, comecei a candidatar-me para os escritórios de Lisboa, onde consegui trabalho, e durante três meses vivi entre o Porto e Lisboa, pois a minha família só se conseguiu mudar para Lisboa após a conclusão dos estudos da minha filha, e depois de eu encontrar uma casa para morar, o que não foi nada fácil. Quando finalmente consegui casa, a minha filha estava de férias e o escritório também estava fechado para férias, o que foi bom, pois consegui fazer a mudança e organizar a minha vida. Trabalhei durante um ano e seis meses no escritório que me contratou, depois arrisquei trabalhar em prática individual, inicialmente em casa, até conseguir abrir o meu próprio escritório. Em pouco menos de um ano, abri um novo escritório, desta vez na Covilhã. Atualmente, o meu trabalho divide-se entre estas duas unidades. Ultrapassado o preconceito que enfrentei, hoje o meu desafio é o mesmo da maioria dos profissionais da área, conseguir dar resposta aos clientes do trabalho que eu realizo quando isso depende de uma resposta do serviço público português, nomeadamente da AIMA, que assumiu o antigo SEF, das Conservatórias, das Finanças, Segurança Social, Tribunais, em geral, quando o assunto é contencioso.
Na sua ótica, qual é o papel da Advocacia na sociedade contemporânea?
O Advogado sempre exerceu um papel importante na sociedade, pois é ele quem luta pelos direitos dos cidadãos. Aliás, sem a figura do Advogado, não existe prestação jurisdicional, já que quem provoca o poder judiciário e o poder público para cumprimento do ordenamento jurídico é o Advogado.
Tendo em conta que este mês se celebra o Dia do Advogado (19 de maio), qual é a importância desta data para si e para a sua profissão?
A data é importante para celebrar as conquistas obtidas ao longo dos anos, sobretudo pelas mulheres, pois sabemos que durante muitos anos a mulher era proibida de muitas coisas, inclusive de estudar, ingressar na universidade, votar, entre muitos outros direitos que só eram permitidos aos homens. Mas falando da atualidade, o Dia do Advogado serve para chamar a atenção das Autoridades competentes para a questão da Previdência do Advogado em Portugal, que também é dos Solicitados. A contribuição para a CPAS – Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores é obrigatória e motivo de preocupação para todos os Advogados e Solicitadores. Para quem não sabe, o cálculo da contribuição previdenciária da CPAS funciona por escalões, de tal forma que, conforme o tempo de inscrição na Ordem, maior é a prestação paga pelo Advogado ou Solicitador. Isso significa que um Advogado com cinco anos de inscrição e rendimento mensal de 20.000,00 euros, por exemplo, paga uma prestação mensal de 251,38 euros, o mesmo valor pago por um profissional que tem o mesmo tempo de inscrição, cinco anos, mas que, entretanto, tem um rendimento mensal em torno de 1000,00 euros. Esse critério é injusto, inaceitável e inconcebível. Precisa de ser modificado com urgência. Por esse motivo, muitos profissionais dão baixa na Ordem e acabam por trabalhar enquanto juristas, não podendo assinar enquanto Advogados. Outros continuam inscritos, mas não conseguem honrar o compromisso de pagar a Caixa de Previdência dos Advogados, que hoje acumula uma dívida gigantesca. Da mesma forma, não é raro jovens talentosos recém-formados em Portugal, optarem por não fazer a inscrição na Ordem para não terem que arcar com essa despesa, que de facto é desanimadora, considerando os baixos salários em Portugal e todas as despesas que as famílias têm e que precisam de pagar para sobreviver.
É preciso olhar com atenção para esta questão.
Olhando para a constante evolução do campo jurídico, que avanços gostaria de ver implementados na Advocacia nos próximos anos?
Sem dúvida, terminar com a burocracia. Portugal é um país onde a burocracia dificulta o trabalho de qualquer profissional, bem como o sistema informático das plataformas, deve ser aperfeiçoado com o tempo, através das ferramentas apropriadas, e que o governo possa resolver com urgência a contratação de pessoas capacitadas para trabalhar nos órgãos públicos, pois o tempo que os processos ficam parados, sem resposta, causa um prejuízo irreparável na vida dos cidadãos. Isto pode ser evitado se o número de recursos humanos for aumentado, mas, é claro, é preciso contratar profissionais qualificados para exercer as funções necessárias em todos os órgãos públicos. Quando isso acontecer a Advocacia será mais célere, pois não existe Advocacia sem serviço público, está tudo atrelado.
Que conselho daria aos estudantes de direito que se encontram neste momento a enveredar pelo mundo da advocacia que é altamente competitivo?
Eu diria para nunca pararem de estudar, um Advogado precisa de estar sempre atento às mudanças nas leis, estudar é fundamental, estar atualizado, pois assim como a sociedade muda, as leis e o ordenamento jurídico também vão acompanhando essas mudanças e é preciso estarmos sempre a estudar e irmos acompanhando as decisões dos tribunais superiores, a jurisprudência. E dizer-lhes que, apesar das dificuldades dos primeiros anos de profissão, a Advocacia é apaixonante, vale a pena estudar e enveredar pelo mundo jurídico. Por fim, agradeço a oportunidade, o espaço que me foi concedido pela revista para falar da realidade do Advogado em Portugal, bem como para chamar atenção das autoridades competentes para refletir sobre as mudanças de extrema necessidade. Muito obrigada, espero poder participar noutras oportunidades.