De quatro em quatro anos, as ruas de Tomar enchem-se de cores, flores e de muita alegria para celebrar a Festa dos Tabuleiros, uma das maiores festividades, não só do país, mas do mundo. Do povo, feita pelo povo e para o povo, a Festa dos Tabuleiros regressa este ano à cidade templária e com ela centenas de milhares de visitantes que, de 1 a 10 de julho, poderão comprovar a magnificência e singularidade desta festividade única, candidata a Património Imaterial Nacional e da Humanidade.
Bastião templário em Portugal, a cidade de Tomar possui um legado histórico incomparável. Lugar de história, de mistérios e de esconderijos, Tomar é também uma cidade de grande encanto pela sua riqueza artística e, sobretudo, pelo seu património cultural. Transmitido de geração em geração, o património cultural reúne em si, segundo a UNESCO, “todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objeto de especial proteção e valorização”. Em Tomar esta manifestação encontra o seu expoente máximo na Festa dos Tabuleiros, a mais significativa de todas as celebrações do Espírito Santo que ainda subsistem.
Com vários séculos de existência, a Festa dos Tabuleiros é das mais antigas e grandiosas do país. Crê-se que a sua origem esteja associada ao culto do Espírito Santo e ao chamado “milagre das rosas” da rainha Santa Isabel. Com raízes que remontam ao século XVII, a tradição chegou até aos nossos dias, perpetuando a fé e as práticas sociais e culturais deste povo. Apesar de se tratar de uma celebração ancestral, é possível identificar diferentes ciclos na vida desta tradição secular. Com o final do século XIX chega o fim da periodicidade anual, passando a realizar-se apenas de quatro em quatro anos. Nos anos 50 do século XX, uma revitalização da festividade permitiu a inclusão de toda a comunidade concelhia no cortejo e dinâmicas preparatórias, passando a ser a celebração mais importante do concelho. Já em 1953 a festividade passa também a incluir atividades complementares tendo por base rituais locais pré-existentes de grande exuberância cenográfica.
Apesar disso, as festas de Tomar têm preservado, ao longo dos séculos, os seus aspetos mais importantes. A bênção dos tabuleiros, as ruas delicadamente ornamentadas, as colchas nas janelas, as flores lançadas sobre o cortejo, são alguns dos momentos que caracterizam esta celebração e que fazem dela um espetáculo inesquecível.
Uma festa do povo, feita pelo povo e para o povo
A Festa dos Tabuleiros realiza-se a cada quatro anos. Este ano, a tradição voltará a cumprir-se de 1 a 10 de julho, porque assim o povo o decidiu. “A Festa dos Tabuleiros começa a ser organizada com um ano de antecedência, no dia em que a população é convidada para uma reunião nos Paços de Concelho, a reunião do povo, a quem compete a soberania da sua realização”, explica Anabela Freitas, Presidente da Câmara Municipal de Tomar. Tomada a decisão da sua realização, surge a tarefa hercúlea de organizar aquela que é uma das maiores do mundo e a mais significativa de todas as celebrações do Espírito Santo. Um dos primeiros passos é a eleição do mordomo, a quem cabe, entre muitas outras funções, a de reunir a Comissão Central da Festa, onde se encontram os responsáveis pelas várias divisões setoriais. Este ano, o povo elegeu Mário Formiga que sucedeu, assim, à primeira mulher mordoma na história da Festa dos Tabuleiros, Maria João Morais. Depois, disso há muito que planear, organizar e angariar. “No final do ano, as Juntas de Freguesia procedem às inscrições dos pares para o Cortejos que, por norma, encerram em poucas horas, tal a vontade da comunidade em participar”, acrescenta Anabela Freitas.
É também por esta altura que os populares iniciam os trabalhos de confeção das milhares de flores de papel que irão adornar os tabuleiros, dedicando centenas de horas a preparar aquele que é um dos ex-líbris da cidade. Um pouco por todo o centro histórico e em várias artérias da cidade reúnem-se moradores e amigos para preparar a decoração das mais de três dezenas de ruas que serão ornamentadas para receber esta festividade. A decoração é da total responsabilidade dos seus habitantes, que religiosamente guardam este (colorido) segredo até à abertura oficial das ruas populares.
“A grande maioria dos cidadãos sente a Festa como sua”
Quem passeia por esta cidade não imagina que caibam aqui, num só dia de festa, mais de 700 mil pessoas. Números que tornam a Festa dos Tabuleiros uma das maiores, não só do país, mas do mundo. O ciclo festivo de dez dias é iniciado no sábado com a inauguração de várias atividades culturais e artísticas. No dia seguinte, realiza-se o Cortejo dos Rapazes com as crianças do pré-escolar e 1º ciclo e, à tarde, os Jogos dos Rapazes. Durante a semana têm lugar a abertura das Ruas Populares Ornamentadas, o Cortejo do Mordomo e, no sábado, os Cortejos Parciais e Jogos Populares. No domingo, ocorre o Cortejo dos Tabuleiros, o ponto alto dos festejos.
Partindo da Mata dos Sete Montes, em direção à Praça da República, o Cortejo dos Tabuleiros conta com centenas de pares: elas, de branco, com uma fita colorida a cruzar o peito, levando no alto os tabuleiros; eles, de camisa branca e mangas arregaçadas, calças escuras, barrete ao ombro e gravata na cor da fita da rapariga. O tabuleiro, símbolo principal da festa e que deverá ter a altura da rapariga que o carrega, ornamenta-se com flores de papel, verdura e espigas de milho e é constituído por cerca de 30 pães, enfiados em igual número em cinco ou seis canas. Estas saem de um cesto de vime e são encabeçadas, no topo, por uma coroa com a Cruz de Cristo ou pomba do Espírito Santo. A fechar o cortejo vão os carros triunfais do pão, da carne e do vinho puxados pelos bois do “sacrifício” simbólico. Os festejos encerram na segunda-feira com a distribuição da Pêza – manda a tradição que o pão benzido seja distribuído aos necessitados.
Para Anabela Freitas, mais do que a forte carga simbólica (ritual e espiritual), a Festa dos Tabuleiros é, sobretudo, “símbolo de um esforço coletivo, da união de vontades e da integração da comunidade concelhia”, numa festa que é feita por todos e para todos. “A Festa dos Tabuleiros envolve a participação dos vários estratos sociais e de praticamente todas as instituições e coletividades, que coadjuvam nas tarefas organizativas, um momento ímpar da vida concelhia que promove um sentido comunitário por parte dos locais e seus descendentes.” Por outro lado, o processo conducente à realização da Festa estimula a cooperação entre a comunidade, os agentes e instituições, fortalecendo as relações sociais e afetivas. “Podemos afirmar que a grande maioria dos cidadãos sente a Festa como sua e nela intervém: colaborando na organização, participando nos Jogos Populares, na decoração das ruas ou na simples devoção em domingo de cortejo, na missa solene, ou nas ruas vendo passar os Tabuleiros, revelando um sentimento identitário que encontra expressão no esforço coletivo.” Quer através do processo de reconhecimento e valorização do património, quer através do envolvimento direto em ações de organização, ornamentação, colaboração e fruição, a Festa dos Tabuleiros é uma manifestação impossível de dissociar da vontade e da participação dos tomarenses.
Festa dos Tabuleiros candidata a Património Imaterial Nacional e da Humanidade
A Festa dos Tabuleiros é uma celebração do povo, feita pelo povo e para o povo. Ao contrário de um monumento ou de uma paisagem, este tipo de património vive através de práticas sociais e culturais. Dito isto, a Festa dos Tabuleiros justifica a elevação a Património Imaterial Nacional e da Humanidade, tendo sido já entregue, em 2019, a candidatura a Património Imaterial Nacional, que se encontra em fase de apreciação por parte da Direção Geral do Património Cultural (DGPC).
Receber um parecer positivo por parte da DGPC é o primeiro passo para alcançar um propósito ainda maior: elevar a Festa dos Tabuleiros a Património da Humanidade. Quando esse dia chegar, Tomar passará a ter não um, mas dois Patrimónios da Humanidade reconhecidos pela UNESCO, uma vez que o majestoso Convento de Cristo já o é desde 1983. “Além dos aspetos que a singularizam, isto é, o formato das ofertas ao Espírito Santo e as atividades complementares que dela fazem parte, distingue-se pela ampla participação da comunidade concelhia na produção e reprodução desta manifestação do Património Cultural Imaterial. Sem pessoas, não há Património Imaterial. Esse fator poderá ser determinante para a classificação da Festa como Património da Humanidade”, afirma Anabela Freitas.
Parta à descoberta da cidade templária
Tomar herdou um importante legado imaterial, que tenta honrar através de diferentes manifestações culturais e de inúmeros eventos a ele dedicados. Para além disso, a cidade templária possui também um vasto legado patrimonial materializado em igrejas e capelas, das quais se destacam pela importância histórica as de Santa Maria dos Olivais, S. João Baptista e Santa Iria. No coração da cidade, a Sinagoga, construída no final do século XV, e o Complexo Cultural da Levada, que contempla diferentes edifícios industriais como duas moagens, uma central elétrica e uma fundição de ferro, são também alguns dos monumentos de interesse, a que se acrescentam ainda o Museu dos Fósforos, o Núcleo de Arte Contemporânea e a Casa Memória Lopes-Graça.
Este ano, com a realização da Festa dos Tabuleiros tem ainda mais motivos para viajar até à região Centro de Portugal e deixar-se surpreender pela história, tradição, património e beleza desta cidade. Anabela Freitas deixa-lhe desde já algumas sugestões: “Tomar proporciona uma visita diferenciada pelas atrações naturais e patrimoniais que possui em pleno centro da cidade. De assinalar a Mata dos Sete Montes e o Parque do Mouchão, locais verdes de rara beleza que fazem parte da paisagem cultural e que possibilitam um passeio em família. Para além disso, motivos não faltam para marcar presença na singular Festa dos Tabuleiros que, por si só, constitui uma experiência única”. Independentemente do motivo, Tomar é uma daquelas cidades de Portugal que merece e espera a sua visita.