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Sempre que se fala de reservas de ouro, diz-se que Portugal tem das maiores do mundo e que estas são a solução para a crise. Mas será mesmo assim?

As reservas de ouro de Portugal são muitas vezes apontadas como a resposta para fazer face a qualquer crise que possa afetar o país. No entanto, será que é possível vender? E valeria a pena deixar de ter essas reservas?

Basta uma pesquisa online sobre o tema para se perceber que é capaz de gerar discussões acesas, mas em que a desinformação é também bastante comum. Vejamos, então, alguns factos e falácias sobre as reservas de ouro nacionais.

Estamos a falar de mais de 380 toneladas de ouro, o que coloca Portugal em 15.º lugar na lista de países com maiores reservas. Uma parte está em Portugal, no Complexo do Carregado, que pertence ao Banco de Portugal (BdP). O resto das reservas encontram-se no Banco Internacional de Pagamentos, Reserva Federal dos EUA e Banco de Inglaterra.

O ouro é um ativo de reserva, detido pelo Banco de Portugal. Os objetivos deste ativo são, segundo a instituição, “satisfazer as necessidades de financiamento da balança de pagamentos, bem como intervir no mercado para influenciar a taxa de câmbio do euro”.

QUANTO VALEM AS RESERVAS DE OURO?

A resposta para esta pergunta nunca pode ser exata, isto porque, enquanto lê este texto, a cotação do ouro pode ter subido ou descido.

Ainda assim, é possível perceber, até através do próprio site do BdP, qual o valor das reservas de ouro e a forma como têm valorizado.

Os dados revelados pelo BdP mostram que, em setembro de 2020, o valor era de 19.793,52 milhões de euros, quando no mesmo período do ano passado esse valor era de 16.771,39 milhões de euros. Ainda assim, o valor de setembro representa já uma descida em relação aos 20.247,71 milhões que as reservas valiam em julho, altura em que se atingiu um pico no valor do ouro.

Assim, e embora as flutuações sejam constantes, uma análise mais atenta permite perceber que, nos últimos cinco anos, o valor mínimo foi de cerca de 12 mil milhões de euros.

Por outro lado, as oscilações nunca foram muito abruptas. Daí que o ouro continue a ser visto como um ativo de confiança, mesmo para particulares.

AS RESERVAS DE OURO PODEM SER VENDIDAS?

Desde 2019 que tal já é possível, mas nem sempre foi assim. Entre 1999 e 2019 existiu um acordo entre o Banco Central Europeu (BCE) e 21 bancos centrais, incluindo o BdP, para que não fossem vendidas reservas de ouro.

Este compromisso, designado Central Bank Gold Agreement (Acordo dos Bancos Centrais sobre o Ouro) foi renovado em 2004, 2009 e 2014. No entanto, em 2019 entendeu-se que já não era necessário um acordo formal nesse sentido.

Um dos argumentos usados pelo BCE foi o desenvolvimento e maturidade do mercado.

Por outro lado, verificou-se que os bancos centrais continuavam a encarar o ouro como um elemento importante para as reservas monetárias globais. Por isso não planeavam, pelo menos naquela altura, vender parte significativa das reservas que possuíam. Aliás, muitos bancos centrais estavam, até, a comprar para reforçar as suas reservas de ouro.

Assim, o acordo cuja validade terminava em setembro de 2019 não se renovou. Segundo o BCE, durante esses 20 anos os acordos assinados já tinham suavizado as restrições à venda de ouro.

O que diziam os acordos?

Na verdade, o acordo estabelecido em 2014 não era uma proibição, mas um compromisso.

Os signatários diziam que o ouro continuaria a ser um elemento importante das reservas monetárias mundiais. Garantiam, por isso, que continuariam a coordenar as suas transações em ouro de modo a evitar perturbações nos mercados. E afirmavam, que, àquela data, não tinham “quaisquer planos para vender montantes significativos de ouro”.

E, no que respeita a Portugal, essa intenção parece manter-se. Em declarações ao jornal Eco, em abril de 2020, o Banco de Portugal garantiu não ter “intenção de realizar qualquer venda”.

A tendência a nível internacional é, aliás, comprar em vez de vender. Um inquérito do World Gold Council, divulgado em maio de 2020, revelava que 20% dos bancos centrais pretendiam aumentar as suas reservas de ouro. No mesmo período de 2019 apenas 8% manifestavam essa intenção.

E se o BdP quiser vender para ajudar o Governo?

As reservas de ouro podem ser vendidas, mas isso não significa que o dinheiro possa ser usado para injetar na economia, ou dado ao Governo.

Em 2002, e no âmbito do já referido Acordo dos Bancos Centrais sobre o Ouro, foram vendidas 15 toneladas de ouro. Uma medida que, na altura, foi justificada pelo BdP com a “alteração da composição das reservas externas do Banco de Portugal”.

No comunicado então divulgado sublinhava-se que “os proveitos realizados com as vendas de ouro ficam retidos no Banco de Portugal e são consignados a uma Reserva Especial que constitui parte integrante dos capitais próprios do Banco”. Ou seja, o valor não ia para o Estado, mas ficava nos cofres do banco central nacional.

A Lei Orgânica do BdP é, aliás, bastante clara quanto à relação entre o banco e o Estado. No artigo 18.º diz-se claramente que “é vedado ao Banco conceder descobertos ou qualquer outra forma de crédito ao Estado e serviços ou organismos dele dependentes”.

E para que não restem dúvidas, diz-se no mesmo artigo que também não pode “garantir quaisquer obrigações do Estado”, isto é, não pode pagar dívidas. Da mesma forma, não pode fazer a “compra direta de títulos de dívida emitidos pelo Estado ou pelas mesmas entidades”.

Além disso, os próprios tratados da União Europeia, que Portugal assinou, impedem que os Estados-Membros possam ser financiados pelos bancos centrais nacionais. Ou seja, mesmo em tempos de crise, as reservas de ouro não servem para financiar a economia. A expressão “foram-se os anéis, mas ficaram os dedos” não se aplica ao Estado, já que mesmo que o ouro seja vendido não acaba a crise.