O arquipélago dos Açores tem cerca de duas centenas de fortificações na orla costeira, estruturas que defendiam as nove ilhas das incursões de piratas e corsários. É na cidade de Ponta Delgada que encontramos um dos mais belos exemplares da arquitetura militar, o Forte ou Castelo de São Brás. Uma estrutura representativa da importância geoestratégica dos Açores ao longo dos séculos, como nos explica em entrevista Sérgio Rezendes, Vereador da Cultura e Animação Turística da Câmara Municipal de Ponta Delgada.
Localizado na bela cidade de Ponta Delgada, capital da Ilha de São Miguel e do maravilhoso Arquipélago dos Açores, o Forte ou Castelo de São Brás é o mais importante exemplar de arquitetura militar quinhentista da Ilha. Comecemos por conhecer aquele que é o mais singular testemunho arquitetónico do ponto de vista militar, a Fortificação da Idade Moderna.
De um povoamento calmo passou-se a um século XVI inseguro e persistente nos pedidos de artilharia, única arma capaz de repelir o inimigo. O castelo medieval, posicionado à beira-mar, adquiriu soluções renascentistas em que o baluarte angular é a mais representativa. Pouco mais novo que a Torre de Belém, São Brás é o primeiro do seu estilo, logo uma joia da arquitetura militar portuguesa em Ponta Delgada.
O Forte de São Brás constitui a primeira fortificação totalmente abaluartada, levantada no espaço ultramarino português, que chegou até aos dias de hoje. O que representa este monumento para a história da ilha e para a história de todo o país?
Em meados do século XVI Portugal procurava controlar um império colonial, apoiando logisticamente a navegação. Rumo às metrópoles, as embarcações passavam obrigatoriamente pelo mar das ilhas, assediadas por piratas e corsários, procurando na ausência da Armada, o apoio de fortalezas tal como a população, na defesa do seu erário. Como tal, esta pérola da Engenharia Militar Portuguesa representa o ambicioso plano de D. João III para defesa do Império, apoio à navegação no Atlântico e neutralização às ameaças a Ponta Delgada.
Que outros testemunhos arquitetónicos / materiais podemos encontrar um pouco por todo a ilha?
A maior densidade de fortalezas do país encontra-se nos Açores, apesar de desaparecidas ou em ruínas. Presumivelmente da transição do século XVI e XVII, são normalmente pequenas e posicionadas em diminutos portos e praias, conhecendo-se cerca de 31 em São Miguel. Ponta Delgada tinha duas a poente, seguindo-se seis na cidade e outras seis nas praias anexas, três das quais ligadas por uma muralha de Infantaria. Fortificações da II Guerra Mundial, como a Bateria da Castanheira, complementam este legado.
Isolados no Atlântico Norte, os Açores sempre padeceram em contexto de luta pelo domínio dos mares. Durante a II Guerra Mundial, esta realidade não foi diferente. Qual a importância geoestratégica dos Açores na política externa portuguesa durante a Segunda Guerra Mundial?
A Guerra de 1939-45 cimentou a geoestratégia das ilhas enquanto zona defensiva para os EUA; de patrulhamento no Atlântico ou como zona de projeção de forças, tornando-se fulcral assegurar a logística que passava nos seus mares. Adolf Hilter ambicionava o seu aniquilamento assim como, a partir destas, conquistar os EUA. Estes antevendo-o, prepararam a anexação das ilhas em junho de 1941, em concordância com os ingleses, para quem a questão era primordial. As facilidades em Terceira e Santa Maria surgem num contexto mais calmo, dada a descodificação Enigma e o uso de porta-aviões de escolta com caças equipados com radar. Perante a possibilidade da Operação Felix, o Estado português mudar-se-ia para Ponta Delgada, ordenando-se o reforço das três grandes ilhas, deixando-se um Património ímpar.
O livro “A Grande Guerra nos Açores” recorda, entre outros momentos, o ataque do submarino alemão, o U-155, anteriormente submarino cargueiro Deustchland, a Ponta Delgada. O valor estratégico da ilha de São Miguel, e em especial de Ponta Delgada, ainda se mantém nos dias de hoje?
Apesar da evolução tecnológica, geograficamente continuamos a ser o limite entre continentes e, sob determinadas condições, até com o norte de África e América Latina. Para uma guerra convencional a resposta é afirmativa. Dada a atual importância do espaço, como algumas experiências da Guerra Fria o demonstram, a relevância mantém-se. Aliás como se verifica com o interesse em Santa Maria ou pela manutenção de bases aéreas, portuárias ou de comunicações NATO.
Que iniciativas desenvolve a Câmara Municipal de Ponta Delgada com o intuito de promover a dinamização do património histórico-militar do concelho e de dar a conhecer este potencial a quem visita?
A estreita colaboração com os comandos militares e com o Museu Militar dos Açores permite otimizar os recursos na produção de exposições e visitas, potencializando-se a mensagem junto de escolas, agentes turísticos ou académicos. O futuro passará pelo incremento e valorização destas áreas, apostando-se numa melhor divulgação da História Militar dos Açores em consonância com o Governo Regional dos Açores.
O turismo é particularmente importante para a economia portuguesa e para a população. Tendo Ponta Delgada um património histórico e arquitetónico com um valor universal, qual o impacto que o turismo, em especial o turismo militar, tem no concelho?
O Turismo Militar nos Açores tem um longo caminho a percorrer. Apesar de fortalezas transformadas em museus militares, pousadas ou unidades visitáveis, a maioria continua abandonada tornando-se necessário um forte investimento para as salvaguardar e divulgar. Para já, o município aposta no desenvolvimento de roteiros, na formação dos agentes intervenientes e na sua proteção. Temos um público-alvo anual na ordem de uns poucos milhares, dos quais algumas centenas exigem uma especialização atestada pela visitação ao Museu Militar dos Açores ou ao Farol da Ferraria.
Poderá o turismo militar ser o ponto de viragem na atração de novos públicos e no desenvolvimento do turismo da região?
Sem dúvida, por ser transversal a um território que dá profundidade atlântica a Portugal. Valorizando-se a memória do que se perdeu e protegendo-se o que ainda existe, o storytelling permite-me apostar numa possível duplicação da atratividade cultural. Contudo, tal implica uma estratégia concertada e bem gerida, dado ser um mercado incompatível com amadorismos.
Que convite gostaria de deixar aos nossos leitores para que visitem Ponta Delgada, se deixem surpreender pelo seu inigualável património e envolver pela sua história?
A centralidade de Ponta Delgada no destino “Açores” é inquestionável, pela sua demografia, economia e fluxos turísticos. Equipada com um aeroporto, porto e terminal de cruzeiros internacional, é a maior cidade e principal entrada no arquipélago. Concelho diferenciador pela qualidade urbana, reabilitação e manutenção do centro histórico, a candidatura a Capital Europeia da Cultura assim como as lagoas coloridas, gentes afáveis, águas quentes, praias expressivas, saborosa gastronomia e modernas freguesias, constituem um forte apelo a quem alia a Natureza à Cultura, sendo o Turismo Militar mais um fator para uma cuidada visita a esta constelação de locais para ver, viver e visitar no centro do Atlântico Norte.