
Assistimos recentemente à decisão controversa de remover a temática da sexualidade da Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC). Como profissional de saúde e Enfermeiro, considero esta medida não só um retrocesso em termos de políticas públicas, mas também uma ameaça direta ao bem-estar, à saúde e ao desenvolvimento integral das nossas crianças e jovens.
A sexualidade é uma dimensão intrínseca ao ser humano. Não se limita ao ato sexual, mas abrange identidade, afetos, género, relacionamentos, respeito pelo outro e pela própria individualidade. Excluir esta temática dos espaços educativos é ignorar a realidade e abdicar da responsabilidade de preparar os jovens para os desafios que enfrentarão ao longo da vida.
Educar para a sexualidade não é promover comportamentos sexuais precoces, como frequentemente se tenta fazer crer. Pelo contrário: a evidência científica mostra que os jovens que têm acesso a uma educação sexual abrangente iniciam a sua vida sexual mais tarde, usam mais métodos contracetivos e têm comportamentos mais responsáveis.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a educação sexual deve ser baseada em factos científicos, adaptada à idade e sensível à cultura, sendo essencial para promover relações saudáveis, igualdade de género, e prevenir abusos e IST’s (infeções sexualmente transmissíveis).
A ausência de educação sexual deixa os jovens à mercê da internet, da pornografia e da desinformação entre pares. Em Portugal, apesar dos progressos, os desafios persistem:
- Um estudo da Direção-Geral da Saúde (DGS) revelou que cerca de 20% dos jovens entre os 14 e os 18 anos não utilizam qualquer método contracetivo na primeira relação sexual.
- As IST’s têm vindo a aumentar, nomeadamente infeções por clamídia e sífilis, segundo o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge.
- Cerca de 1 em cada 4 jovens já foi vítima de violência no namoro, muitas vezes sem conseguir identificar os sinais de controlo, chantagem emocional ou abuso psicológico.
Sem ferramentas educativas, como esperamos que estes jovens saibam reconhecer comportamentos tóxicos ou proteger-se de riscos físicos e emocionais?
A escola é um espaço de formação humana, não apenas académica. E quando esta falha em abordar temas fundamentais como a sexualidade, está a falhar na sua missão educativa e protetora.
Como Enfermeiro de Família, tenho acompanhado muitos adolescentes em contextos de consultas de planeamento familiar. A insegurança, a vergonha e a desinformação são constantes. Quando conseguimos criar espaços seguros de diálogo, vemos jovens a fazer escolhas mais conscientes e responsáveis. Mas esse trabalho tem de começar antes — na escola, de forma sistemática e universal.
Remover a temática da sexualidade da ENEC é silenciar questões vitais para o crescimento saudável e equilibrado dos jovens. É deixar de falar de consentimento, de respeito pelo corpo e pelo outro, de identidade e de expressão de género, de relações saudáveis. É ignorar a diversidade que existe nas salas de aula e contribuir para o estigma e discriminação.
Mais do que nunca, precisamos de políticas baseadas em evidência, não em pressões ideológicas ou moralistas sejam elas de direita ou de esquerda. A evidencia cientifica deve ser sempre o fio condutor das politicas de saúde publica e educação. A escola não substitui a família, mas deve ser um complemento seguro e fiável para formar cidadãos informados e críticos.
Assim e em jeito de conclusão refiro que Portugal tem sido exemplo na defesa dos direitos sexuais e reprodutivos. Esta decisão agora adotada pelo Governo, compromete décadas de progresso e coloca em risco a saúde física e mental de uma geração. Apelo a uma revisão urgente desta medida, em nome da ciência, da saúde pública e, sobretudo, da dignidade dos nossos jovens.
Nuno Sevivas, Delegado Sindical da Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros
Referências
- Organização Mundial da Saúde (OMS), Standards for Sexuality Education in Europe, 2010.
- Direção-Geral da Saúde (Portugal), Relatórios de Saúde Sexual e Reprodutiva.
- Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, Boletim Epidemiológico das IST e HIV, 2022.
- Associação Plano i, Estudo sobre Violência no Namoro em Portugal, 2020.
