
Entre as 09h00 e as 19h00, sob reserva e com visita guiada, a partir de hoje os visitantes da Livraria Lello podem apreciar e usufruir da mais recente aquisição da Sala Gemma: a biblioteca pessoal de Amy Winehouse, composta por mais de 200 livros. A aquisição do espólio, agora integrado no espaço exclusivo dedicado às joias literárias mais valiosas da Livraria, oferece um olhar íntimo e revelador sobre a vida e o processo criativo de uma das artistas mais marcantes do século XXI. A apresentação decorreu ontem, num evento especial e muito emotivo, com um concerto intimista da banda original de Amy Winehouse, “recriando, por instantes, a intensidade e a alma da artista numa noite de homenagem e partilha”.

A relação de Amy Winehouse com os livros ia muito além do prazer da leitura. Como revelou o seu irmão, Alex Winehouse, a artista mantinha uma ligação intensa, mas discreta, com a literatura: “Amy passava a ideia de se sentir ligeiramente envergonhada com o quão inteligente era. Tinha imensos romances de Jackie Collins espalhados pela casa, mas escondia a sua coleção de Dostoiévski num armário.” Esta coleção reflete essa dualidade: a irreverência e a profundidade, o universo pop e a literatura clássica. Mais do que um conjunto de livros, é um retrato da inquietação criativa de Amy Winehouse. Muitos dos exemplares apresentam sinais de uso intenso, com manchas de café, cera de velas e até marcas de água, possivelmente fruto do seu hábito de ler na banheira. Uma coleção vivida, à imagem da sua dona.
“Na Livraria Lello, não vendemos apenas livros – criamos pontes para a leitura e valorizamos a forma como estes moldam a identidade de pessoas e sociedades. A biblioteca de Amy Winehouse é um testemunho desse poder. Não a adquirimos pelo seu valor histórico, mas pelo que representa – uma artista que encontrou nos livros refúgio, inspiração e uma voz para além da música. Ao torná-la acessível ao público, reafirmamos a nossa missão de demonstrar, de forma inesperada e inusitada, o poder dos livros em nos definir, acompanhar e impulsionar”, refere Aurora Pedro Pinto, administradora da Livraria Lello
Ao longo dos anos, a Livraria Lello tem vindo a preservar diferentes formas de relação com os livros. Se com o espólio da Coimbra Editora garantiu a memória de uma casa editorial incontornável para o pensamento jurídico e académico em Portugal, e com a Brazenhead Books resgatou o legado de uma livraria clandestina que resistiu durante décadas em Nova Iorque, com a biblioteca de Amy Winehouse acrescenta uma nova perspetiva: o papel da literatura na criação artística contemporânea.

SOBRE A COLEÇÃO
Desde cedo, os livros foram um refúgio. Aos 12 anos, já tinha lido À Espera no Centeio, de J.D. Salinger, um dos seus autores de eleição, cuja prosa inquieta e irónica encontra eco na sua própria escrita. O teatro também marcou a sua juventude, como revela a sua cópia de Little Shop of Horrors, peça que interpretou na Susi Earnshaw Theatre School, onde escreveu na primeira página: “EU AMO DRAMA!”.
A coleção revela ainda o fascínio de Amy Winehouse pelas novelas gráficas, que representam quase um quarto do espólio. Nenhum autor aparece mais vezes do que os Irmãos Hernandez, criadores da icónica série Love and Rockets. A estética visual destas narrativas refletia-se no seu próprio estilo, marcado por um imaginário alternativo e cinematográfico.
A música também se fazia sentir nas prateleiras da sua biblioteca. Entre as biografias que colecionava, encontravam-se nomes como Jimi Hendrix, Boy George, Alex James e Anthony Kiedis, figuras cuja trajetória de ascensão e queda no mundo da música a fascinava.
Alguns dos seus livros guardam marcas ainda mais pessoais. No seu exemplar de Killing Yourself to Live, de Chuck Klosterman, um ensaio sobre os locais onde morreram algumas das maiores lendas do rock, Amy Winehouse deixou um traço inconfundível: um beijo de batom vermelho na página 71.

SOBRE A SALA GEMMA
A Sala Gemma é o espaço onde a Livraria Lello reúne e preserva as suas joias literárias mais valiosas, um acervo em permanente crescimento que reflete a sua missão de valorizar o livro enquanto objeto de arte, cultura e pensamento.
Mais do que um espaço de coleção, a Sala Gemma assume-se como um testemunho vivo do impacto da literatura na sociedade, reunindo primeiras edições, manuscritos e edições de exceção que marcaram diferentes épocas e contextos. Aqui encontram-se exemplares raros como as primeiras edições de O Principezinho, de Antoine de Saint-Exupéry, Pride and Prejudice, de Jane Austen, The Picture of Dorian Gray, de Oscar Wilde, Madame Bovary, de *Gustave Flaubert, Don Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes, entre muitas outras obras que continuam a moldar a história da literatura e do pensamento.
A aquisição da biblioteca pessoal de Amy Winehouse insere-se nesta estratégia de forma natural. Para além do valor material dos livros que a compõem, esta coleção é um testemunho do poder transformador da leitura – um registo íntimo de como a literatura pode ser refúgio, inspiração e parte essencial do percurso de um artista.
A Sala Gemma não é apenas um espaço de preservação, mas um lugar de partilha e contemplação, onde leitores, investigadores e amantes da literatura podem mergulhar nas histórias por detrás de algumas das obras mais icónicas do mundo.