A morosidade da justiça, a desigualdade de direitos sociais e a não atualização da tabela de honorários do Sistema de Apoio Judiciário, são alguns dos principais desafios que a advocacia enfrenta diariamente. Em entrevista à Mais Magazine, Claudete Teixeira, advogada com vasta experiência no ramo do Direito de Família e das Sucessões, aborda a complexidade destes problemas e faz uma reflexão sobre o seu percurso profissional e os objetivos futuros.
O que a motivou a ingressar na advocacia como carreira profissional? Era um desígnio que tinha desde jovem ou foi uma paixão que surgiu durante a sua formação?
Eu sempre quis ser advogada. É uma paixão que vem desde a adolescência. Lembro-me que, quando ainda estava no ensino secundário, colei na minha secretária um recorte, que tirei de uma revista, com a definição da profissão de advogado, para me motivar para o meu objetivo. Depois tirei o curso na Faculdade de Direito de Lisboa, entre 1995 e 2000, e, de lá para cá, frequentei várias pós-graduações, para aprofundar os meus conhecimentos, com especial foco na área do direito civil, direito da família e sucessões e, mais recentemente, no direito do trabalho. Gosto mesmo muito da minha profissão.
Os primeiros passos na advocacia foram dados em regime de estágio e, posteriormente, trabalhando ao serviço de gabinetes jurídicos. Qual a importância que os primeiros anos da sua carreira tiveram para que hoje em dia seja uma advogada de referência? Foram anos de muita e fulcral aprendizagem?
Os primeiros anos são muito difíceis e talvez os mais importantes da carreira. São os anos em que ainda estamos a lutar para nos afirmarmos na profissão. Regra geral, somos insuficientemente remunerados e, sendo novos e mais inexperientes, temos mais dificuldades em nos defender de pessoas ou situações mais desafiantes. Mas são anos muito importantes porque é nessa altura que aprendemos realmente a profissão e ganhamos os conhecimentos e experiência que ficam para sempre. Eu passei muitos anos a trabalhar 13 horas por dia, ou mais. Durante toda a minha primeira gravidez, por exemplo, entrava no escritório de manhã cedo e só terminava a jornada de trabalho pelas 23h00, ou mais tarde. Não sinto orgulho disso. Na verdade, acho que não deveria ter sido assim e não faria isso a alguém que trabalhasse para mim. Mas todos os sacrifícios que fiz nessa altura, pelo menos, tiveram como efeito positivo eu ter aprendido muito.
Mais tarde decidiu abrir o seu próprio escritório de advogados, a Claudete Teixeira Advogados. Por que razão decidiu tomar este passo? Como surgiu esta oportunidade?
Essa decisão foi tomada porque senti que o percurso no escritório onde estava tinha acabado. Foi uma decisão muito importante. Foi muito ponderada e pensada em família, mas graças a Deus que a tomei.
Qual o balanço que faz destes anos de atividade do seu escritório?
Felizmente o balanço é muito positivo. Foram anos de crescimento e de consolidação no mercado e que me têm trazido uma grande realização profissional, assim como aos colegas que me acompanham e trabalham comigo. Somos uma equipa unida, com um objetivo comum e sempre com grande entreajuda e sentido de responsabilidade.
Ao longo destes anos especializou-se no ramo do Direito de Família e das Sucessões. Durante o seu percurso profissional, que razões a levaram a seguir esse direito em específico?
Juridicamente é um ramo do direito que gosto de estudar e pelo qual sempre me interessei. Por outro lado, fui-me destacando nesta área e, também por essa razão, decidi aprofundar os meus conhecimentos e frequentei várias pós-graduações relacionadas com o direito da família e das sucessões e tirei um curso de mediação familiar. É uma área muito desafiante porque além da parte jurídica lida-se com as emoções das pessoas, como em nenhum outro ramo acontece. Mas eu gosto desse desafio. No direito das sucessões, por exemplo, existe uma complexidade jurídica nas questões que se colocam que são muito estimulantes. Mas também gosto dos outros ramos do direito civil, como o direito dos contratos, o direito laboral e outros. Gosto muito do direito. No passado ano letivo, por exemplo, frequentei uma pós-graduação em Direito do Trabalho na Faculdade de Direito de Lisboa.
Quais os principais desafios e questões mais complexas e sensíveis que encontrou na área do Direito de Família? Os processos que envolvem crianças são os mais complexos e desafiantes para si?
Sim, não tenho quaisquer dúvidas em dizer que são os processos mais complexos e desafiantes. O que considero mais impactante são as situações em que os pais (por vezes sem perceber) se constituem em inimigos dos filhos. As agressões físicas e sexuais são sempre chocantes, mas as agressões psicológicas, porque assumem muitas e sub-reptícias formas, são mais frequentes e acontecem de forma altamente destrutiva para a saúde mental e equilíbrio das crianças. Além disso, são mais difíceis de provar e de conter. Existem comportamentos dos pais, muito lesivos para os filhos, e que são tidos de forma banal e, muitas vezes, sem noção dos danos negativos que com isso provocam. Usar os filhos como confidente, ou ouvinte, dos problemas que um dos pais tem com o outro progenitor, tecer comentários depreciativos acerca o outro progenitor, envolver os filhos nos processos judiciais e contar-lhes o que passa e foi dito nesses processos, criar alianças com os filhos contra o outro. Ou, por outro lado, tecer comentários depreciativos acerca da própria criança/jovem, gritar com a criança, manipulá-la, não a escutar, não acolher os seus sentimentos. Enfim, centenas de coisas que estão erradas que fazem mal às nossas crianças e jovens e para as quais não há soluções simples. E, acima de tudo, é bom que se perceba que a solução não está apenas no tribunal. É um problema muito grave. Seria importante que os pais tivessem apoio psicológico ou acompanhamento parental, quando passam por fases de separação ou de conflito. Em muitas situações a única forma de proteger as crianças é ajudando os pais. Inúmeras vezes, as crianças têm acompanhamento psicológico para melhor superar a fase da separação dos pais e dos conflitos em que estas se veem envolvidas, mas é muito difícil tratar o problema, se não for tratada a sua origem.
Adotando uma perspetiva mais transversal, quais os principais desafios e barreiras que a área da advocacia enfrenta e de que forma devem ser combatidos? Concorda que a morosidade da justiça é um dos principais problemas no setor?
A morosidade da justiça é um grande problema. Uma justiça fora de tempo dificilmente será justiça. Os tribunais servem para repor a legalidade e não apenas para punir as ilegalidades. Ora, uma intervenção tardia, ainda que reponha a legalidade, dificilmente conseguirá evitar que se produzam danos, muitas vezes avultados e irreversíveis. Temos casos crónicos nos tribunais administrativos, situações como a dos megaprocessos criminais que são completamente desajustadas, situações incomportáveis em tribunais cíveis e laborais, que impactam com a vida de muitas pessoas e empresas e situações graves em muitos tribunais de família e menores, em que processos que de deveriam resolver em poucas semanas se prolongam por anos. Quando estão em causa os direitos das crianças, e os atrasos nos processos demoram anos, é fácil de perceber a gravidade da situação. O tempo das crianças não é tempo dos adultos. Em cada situação de conflito parental há uma criança em risco. É preciso um investimento sério na justiça.
Infelizmente, na área da advocacia, as mulheres não têm ainda direito sociais, havendo uma clara desigualdade. Qual o comentário que esta disparidade lhe merece e o que significa para si ser uma mulher de sucesso nesta área?
Em pleno século XXI, as advogadas portuguesas não têm direitos sociais básicos como a proteção na maternidade, assistência à família, proteção na doença, ou outros. Os advogados e solicitadores portugueses são obrigados a descontar para uma caixa de previdência privada, a CPAS, que não nos garante os mesmos direitos sociais disponíveis para os trabalhadores independentes. Contudo, mesmo em países como Espanha e Alemanha, onde, também existem regimes de segurança social privados, são assegurados direitos essenciais como apoio na doença e parentalidade, o que não acontece em Portugal. Há um segmento de portugueses e portuguesas relativamente aos quais o Estado mostra total indiferença para o facto de não terem direitos sociais nenhuns no apoio na doença, parentalidade e outros, o que é incompreensível. Não é admissível que as crianças que são filhos de advogadas não tenham direito a ter uma mãe presente, nem mesmo quando acabam de nascer. Se para o Estado Português é normal que as advogadas portuguesas tenham de cumprir prazos enquanto amamentam recém-nascidos de duas em duas horas, de dia e de noite, tenham de fazer julgamentos menos de um mês depois de dar à luz, entre muitas outras situações que tais, é porque o superior interesse destas crianças realmente não é assim muito superior.
O que tem a dizer acerca da não atualização da tabela de honorários do Sistema de Apoio Judiciário, há quase vinte anos?
Considero uma vergonha. São os advogados inscritos no sistema de acesso ao direito e aos tribunais que permitem que todos aqueles que não conseguem pagar a um advogado não fiquem impedidos de fazer valer os seus direitos. E são estes advogados que garantem que o Estado cumpra com a sua obrigação de permitir o acesso à justiça a todos que dela necessitam, independentemente da sua condição económica e social. Ora, seria de esperar que um profissional altamente qualificado, licenciado em direito, inscrito na ordem dos advogados, depois de ter sido aprovado no respetivo estágio, e que está a prestar um serviço ao Estado, e que só pelo Estado pode ser pago, recebesse um pagamento condigno. Mas não. O estado paga a estes profissionais valores absolutamente indignos. Acho que basta de faltas de respeito. As advogadas (e solicitadoras) portuguesas devem ser as únicas mulheres trabalhadoras portugueses que não têm direito uma licença parental. Somos certamente a única classe sem direito a subsídio de desemprego, proteção na doença, direitos de assistência a filhos dependentes e devemos ter sido os únicos profissionais com zero apoios durante os confinamentos resultantes da pandemia da Covid-19. Não bastando, os advogados prestam um serviço ao estado português, que permite que o Estado cumpra com a sua (não nossa) obrigação de garantir o acesso à justiça a todos os cidadãos, a troca de uma remuneração mais baixa do que a de qualquer trabalhador não qualificado.
Na sua ótica, quais as caraterísticas e valores necessários para singrar na área da advocacia? O que é necessário para se tornar num bom advogado?
Eu acho que não existe uma poção para o sucesso. Há certas características que já nascem connosco e o resto é muito trabalho. Como nem todos os licenciados em música nasceram para ser músicos e nem todos os licenciados em medicina nasceram para ser médicos, nem todos os licenciados em direito nasceram para ser advogados. Mas à parte disso, que é a nossa vocação, é preciso muito estudo e dedicação ao trabalho. Não há como fazê-lo de outro modo. E é necessário também um enorme sentido de responsabilidade para com as pessoas e o seu problema. Quando alguém confia resolução do seu problema a um advogado está à espera desse sentido de responsabilidade e merece-o.
Quais as metas a curto/médio prazo que ambiciona implementar no seu escritório de advogados?
O meu objetivo a curto/médio prazo é ampliar a área do direito societário e direito do trabalho, no apoio a empresas e particular. É uma área de que tem vindo a ter uma ascensão significativa no nosso escritório e o nosso objetivo é que as empresas possam contar, cada vez mais, com o nosso aconselhamento jurídico especializado em todas as fases do seu desenvolvimento e fornecer uma resposta tecnicamente sólida e com respaldo na prática.