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A valorização da carreira de enfermagem em Portugal é um tema que merece uma atenção redobrada, especialmente num contexto em que a pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é crescente e as expectativas sobre os profissionais de saúde são cada vez mais exigentes. O recente projeto de alteração das carreiras de enfermagem, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE nº 21/2024), trouxe à tona uma série de questões que vão certamente muito além de meras reivindicações salariais. Estamos perante um momento que considero ser crucial e que coloca em xeque não apenas o futuro dos Enfermeiros como também a própria qualidade dos cuidados de saúde que são prestados à população. A necessidade de uma análise profunda e crítica sobre esta realidade é, portanto, imperativa.

Desde a publicação do Decreto-Lei nº 71/2019, as alterações na carreira de enfermagem têm revelado um caminho tortuoso, onde as expectativas dos profissionais não têm sido devidamente acompanhadas por propostas adequadas e justas. As novas tabelas remuneratórias, que se estendem até 2027, refletem um cenário de desvalorização que é particularmente preocupante para os Enfermeiros especialistas e gestores, cujas funções são fundamentais no SNS. Enquanto os Enfermeiros em início de carreira podem vislumbrar aumentos, aqueles que assumem responsabilidades de maior peso veem-se agora relegados a uma estrutura que não apenas ignora a importância do seu trabalho, como também, em muitos casos, coloca em dúvida o seu valor intrínseco. A falta de progressão clara e a disparidade salarial entre as categorias irão acentuar um ambiente de desmotivação que irá comprometer a moral da profissão e, consequentemente, a qualidade dos cuidados prestados.

A situação é ainda mais alarmante quando se considera a sobreposição de níveis remuneratórios entre as diferentes categorias de Enfermeiros, o que fere frontalmente os princípios da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. Este sistema injusto permite que Enfermeiros com responsabilidades reduzidas recebam salários equivalentes ou até superiores aos de Enfermeiros especializados, criando um sentimento de frustração e desilusão entre aqueles que se dedicam a um trabalho que exige competência e responsabilidade elevadas. É bem sabido que a progressão na carreira deve fazer refletir não só o tempo de serviço, mas também as competências e o impacto que cada profissional tem na saúde da população. Ignorar esta lógica é um convite à estagnação, ao enorme descrédito e, em consequência, a uma profunda desmotivação.

Mas um dos pontos mais preocupantes em toda esta equação é a aparente desconexão que muitos Enfermeiros têm em relação ao que realmente está a acontecer no seio da profissão. A grande maioria parece permanecer alheia às implicações diretas das alterações propostas, muitas vezes convencida de que os acordos entretanto alcançados representam o limite do que é possível. Esta resignação, aliada à falta de informação, resulta numa desvalorização do seu próprio papel no processo negocial, o que é extremamente perigoso para o futuro da profissão. Por tudo isto é essencial que haja um enorme esforço coletivo para informar e mobilizar todos os profissionais de enfermagem, pois só através de uma ação conjunta será possível garantir que as vozes dos Enfermeiros sejam ouvidas e respeitadas.

A questão do prazo concedido para a apreciação pública da proposta, que é de apenas 20 dias, é também um insulto à capacidade de análise e discussão que um tema tão relevante exige. Este tempo manifestamente curto ignora a importância da participação ativa dos profissionais, comprometendo a representatividade das associações e sindicatos que defendem os interesses da classe. A participação efetiva na elaboração de políticas que afetam diretamente a vida profissional dos Enfermeiros não é apenas um direito, mas um dever moral que deve ser garantido.

À luz de tudo isto, observamos que a luta pela valorização da carreira de enfermagem é uma batalha que não pode ser perdida. Trata-se de uma questão que ultrapassa as fronteiras do salário, no sentido em que envolve a dignidade, o respeito e o reconhecimento que todos os profissionais merecem. Sem profissionais motivados e qualificados, será certo que o SNS não conseguirá sustentar a qualidade dos cuidados que a sociedade exige e merece.

Por tudo isto, estamos certos quando afirmamos que a valorização da profissão de enfermagem é um pilar fundamental para a sustentabilidade do SNS. Profissionais que se sentem valorizados, respeitados e reconhecidos pelo seu trabalho são a chave para um sistema de saúde robusto e de qualidade. Portanto, é fundamental que todos os Enfermeiros se unam em torno de um objetivo comum: a defesa da sua profissão e da sua dignidade. O futuro da enfermagem e a qualidade dos cuidados de saúde em Portugal dependem da nossa capacidade de agir, de lutar e de reivindicar aquilo que é justo e necessário. Esta é uma luta que se deve travar em nome de todos os que confiam na dedicação e na competência dos Enfermeiros, um compromisso que não podemos abdicar se quisermos garantir um SNS que responda de forma eficaz às necessidades da população.

Sérgio Serra

Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros