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A crise de representatividade na Ordem dos Enfermeiros, delineada pela recente controvérsia em torno das alterações estatutárias e do processo eleitoral, não é apenas um episódio isolado de disputas internas. Pelo contrário, ela expõe uma lacuna profunda na prática democrática e na governança das profissões regulamentadas em Portugal. Este tema não se restringe meramente aos bastidores administrativos; ele toca diretamente na credibilidade e na legitimidade das instituições que deveriam ser baluartes da ética e da representação justa dos interesses dos seus membros.
É inegável que a convocação abrupta e a condução apressada da Assembleia Geral Extraordinária, com um aviso mínimo aos enfermeiros, levanta sérias questões sobre os princípios de transparência e participação democrática. A urgência pouco explicada para alterar os estatutos e para marcar eleições intercalares com prazos exíguos para a apresentação de listas eleitorais sugere não apenas falta de preparação como possivelmente uma estratégia para conter o debate e limitar a contestação interna.
A importância deste tema transcende claramente o contexto específico da enfermagem; ele ecoa para além das fronteiras da profissão, alcançando a esfera mais ampla da governança democrática. Num Estado democrático de direito, a participação informada e a discussão pública são pilares fundamentais para garantir que as decisões que afetam a coletividade sejam tomadas com base em consenso e legitimidade. Quando uma instituição profissional como a Ordem dos Enfermeiros falha em proporcionar um ambiente propício para este tipo de diálogo, ela não apenas prejudica sua própria reputação como também mina a confiança geral na capacidade das organizações profissionais de agirem com responsabilidade e accountability.
Além disso, a falta de debate robusto e a exclusão de enfermeiros da elaboração de decisões estratégicas significativas pode gerar consequências adversas de longo prazo. A profissão de enfermagem, que desempenha um papel crucial no sistema de saúde e na promoção do bem-estar da população, depende de uma liderança que seja não apenas competente tecnicamente como também comprometida com os princípios democráticos e com o fortalecimento da voz coletiva dos seus membros.
Neste sentido, o apelo à intervenção do Sr. Bastonário Luís Barreira como figura central na Ordem dos Enfermeiros não é apenas uma questão de conformidade estatutária; é uma chamada à liderança ética e à defesa intransigente dos valores democráticos. O papel do Bastonário tem que ir muito além da administração cotidiana; ele deve ser o guardião dos princípios que garantem que a Ordem não apenas cumpra suas funções regulatórias como também seja um exemplo de boas práticas de governança e de participação inclusiva.
Por fim, a importância deste tema reside na necessidade premente de se reconstruir a confiança entre os enfermeiros e suas estruturas representativas. Sem confiança mútua e sem um compromisso renovado com a transparência e o diálogo aberto, será muito difícil para a profissão avançar de forma coesa e sustentável. É responsabilidade de todos os envolvidos, desde os líderes institucionais até aos próprios enfermeiros, defenderem e promoverem uma cultura de participação ativa e de responsabilidade partilhada dentro das organizações profissionais.
Este não é apenas um alerta para os desafios internos enfrentados por esta categoria profissional específica; é essencialmente um lembrete urgente da importância de fortalecermos os alicerces democráticos em todas as esferas da sociedade. Somente através do compromisso com a democracia interna e com o respeito pelas vozes divergentes poderemos construir instituições que verdadeiramente representem e sirvam os interesses coletivos de todos os enfermeiros e, por extensão, da sociedade como um todo.
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Sérgio Serra
Presidente da MAG da associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros
17 de junho de 2024