Tomou posse ontem o XXIV Governo Constitucional, um Governo liderado pelo Primeiro-Ministro Luís Montenegro, sem acordos parlamentares que lhe confiram estabilidade governativa e, pela primeira vez com uma Ministra da Saúde, farmacêutica, muito elogiada por vários setores da sociedade, incluindo líderes de organizações sindicais – uma novidade, portanto!
Do discurso do Primeiro Ministro percebe-se uma vontade enérgica de resolver a crise instalada no SNS, que muitos dos seus apoiantes ajudaram a montar, com a apresentação em 60 dias de um Plano de Emergência e a promessa de realizar uma reforma estrutural que assegure um médico de família para todos, contando com os setores privado e social – uma fasquia muito elevada para a Dra. Ana Paula Martins!
Ainda do discurso de Luís Montenegro, não posso deixar de destacar o apelo ao envolvimento de TODOS, TODOS, TODOS na construção das soluções e comprometimento na estabilidade política, exaltando as forças partidárias, a sociedade e até as Ordens Profissionais. No entanto, sem qualquer palavra ou afirmação que inclua os trabalhadores e as suas estruturas representativas – os SINDICATOS!
Um lapso lamentável para quem enfrentará, no ano em que se comemoram 50 anos do 25 de ABRIL, uma agitação social como não haverá memória, se não iniciar muito em breve a negociação coletiva que prometeu e assegurar as respostas às expectativas que alimentou em campanha eleitoral!
O pronúncio deste cenário pode facilmente inferir-se pelas iniciativas parlamentares do PCP, do BE e do CHEGA em São Bento, que deram entrada logo no dia da tomada de posse do Parlamento, sobre o suplemento de risco das forças de segurança. Apenas teremos que aguardar mais uns dias para que se volte a falar de professores, de médicos e militares!
Já dos enfermeiros parece que ninguém quer saber!
Para os enfermeiros a normalidade é serem tratados pelos sucessivos Governos e pelos responsáveis institucionais com desrespeito pelas suas necessidades, com menosprezo pelos seus problemas e com desconsideração pelas más condições de trabalho em que exercem.
A demonstração dessa fatalidade, resume-se:
• à inexistência de um Acordo Coletivo de Trabalho global aplicável ao maior grupo profissional do SNS, enquanto para outras profissões da área da saúde se fazem revisões e mais revisões. Para os Enfermeiros, uns ainda têm menos dias de férias do que outros, apesar de trabalharem todos para o mesmo empregador, o SNS;
• à desvalorização da remuneração dos Enfermeiros em relação ao salário mínimo nacional. Atualmente um Enfermeiro na 1ª posição remuneratória, que desconta 23% para IRS e 11% para a Segurança Social, tem uma diferença de remuneração líquida de cerca de 60€ para um trabalhador não qualificado que recebe o salário mínimo. Em 1990 a remuneração de um Enfermeiro correspondia a 2,5 salários mínimos nacionais;
• à tabela remuneratória em vigor que não cumpre os requisitos legalmente exigidos, que mantém os Enfermeiros com remunerações muito inferiores aos restantes profissionais da área da saúde e aos Professores, mas sobretudo que promove inversões remuneratórias prejudicando os mais antigos e mais qualificados. Não se pode compreender que um Enfermeiro que pagou a sua especialização, e que foi obrigado a acumular o seu horário de trabalho com o horário de estágio, tenha uma remuneração igual ou inferior a outro mais novo e menos qualificado;
• à limitação à progressão na Carreira de Enfermagem e Especial de Enfermagem pela fixação de uma quota de 25% para os Enfermeiros Especialistas. Existem centenas e centenas de Enfermeiros com grau académico de Mestre que mantêm os serviços a funcionar à custa das suas competências especializadas, das quais o SNS usufrui sem remunerar;
• ao não reconhecimento do risco e penosidade da profissão, obrigando Enfermeiros com mais de 60 anos de idade, com salários vergonhosos, a trabalhar em condições para as quais já têm limitações físicas e até de saúde mental.
Tendo por referência esta realidade a Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros, a que presido, aprovou em Assembleia Geral, realizada a 23 de março, uma Tomada de Posição que entregará, ainda esta semana, à Ministra da Saúde, Dra. Ana Paula Martins. Nessa missiva será requerido o agendamento de reunião até 17 de maio com o intuito de se estabelecer o plano e o cronograma negocial que resolva estas degradantes condições de trabalho dos enfermeiros no SNS.
Ovar, 3 de abril de 2024
Lúcia Leite, Presidente da Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE)