A capa desta edição faz referência ao perfume das flores da Madeira. Para o definir continuam a ser necessárias palavras, e não há imagens que lhes ocupem o lugar. Por mais visual que seja o colorido, quanto mais abstrata é uma sensação, mais precisamos das palavras para a caraterizar. E se a própria comunicação está, ela própria, cada vez mais visual, mas difícil se torna definir o que quer se seja, sem referentes comuns que nos permitam partir do mesmo “chão”.
Dito isto, quis o acaso que no dia anterior a que escrevo este editorial, tenha revisto o filme “Perfume de Mulher”, de 1992, que valeu o Óscar de melhor ator a Al Pacino pelo seu papel de Frank, um oficial do exército na reserva, que perdeu a visão num acidente em serviço.
O título do filme baseia-se na capacidade de Frank em identificar os perfumes, colónias, sabonetes, enfim, todas as fragrâncias femininas utilizadas pelas mulheres com quem se vai cruzando e que captam a sua atenção. De seguida, pela voz e mais uns quantos detalhes que só ele saberá, tenta perceber tudo aquilo que para qualquer um seria o mais óbvio e superficial, mas para ele é o mais subtil e misterioso – a beleza física dessas mulheres. No meio da “linguagem de caserna” muito utilizada por um Frank áspero e agressivo, a delicadeza vai ganhando espaço ao longo do filme, inspirada pela integridade e consciência que ele reconhece no seu jovem cuidador, Charlie Simms (Chris O’Donnell), desse fim de semana em que tudo se passa.
O final, épico pela eloquência do discurso de Frank em defesa da honra e integridade de Charlie (que “não é um bufo!”) em frente de toda a comunidade escolar, termina com uma das onomatopeias mais famosas do cinema norte-americano – o “Hoo-ah” de Al Pacino.
Já no início dos anos noventa, a integridade era referida como um valor “perdido”, que conduziria Charlie a uma “vida muito dura”, avisava-o Frank. No entanto, pelo menos ali, naquelas duas horas e meia de duração do filme, o lado bom venceu. Charlie consegue inspirar Frank e resgatá-lo da sua autodestruição, e ficamos com uma sensação de esperança no olhar terno e doce de Christine (Frances Conroy).
Na despedida, onde também entra o fiel cavaleiro (leia-se motorista da limousine), todos acreditamos que Charlie regressará para visitar Frank e provar o assado da sua sobrinha, que é o alvo preferido das suas críticas, mas que tem por ele o único afeto familiar sincero de toda a história, para além de uma paciência infinita.
Uma história de amizade, com o elogio da integridade e da beleza, é sempre uma boa inspiração para tudo o que se faça.