Portugal e o Mundo acordaram e sentiram que algo de diferente estava a acontecer neste país europeu, à beira-mar plantado, sujeito a uma longa ditadura de quase 48 anos. De repente, sem que ninguém o suspeitasse, um grupo de militares, congregados no Movimento das Forças Armadas, fazia questão de ser diferente e protagonizava um facto único da História Universal. Acostumado a que dos militares só viessem regimes repressivos – o Chile de Pinochet estava bem fresco na memória de todos – o mundo teve dificuldade em compreender que desta vez era diferente. Havia militares que mostravam ao mundo que era possível transformar as Forças Armadas num instrumento de Libertação, de Paz e de Democracia.
Os portugueses aderiram de imediato à nova realidade, assumiram que “O Povo É Quem Mais Ordena”, envolveram-se numa intensa luta por um país melhor, mais livre, mais justo e mais igual e, como cantou Chico Buarque “a festa foi linda” numa autêntica “bebedeira coletiva”, afirmo eu. Não foi fácil ao MFA, que decidiu não se demitir e tratou de proteger o filho que gerara, conseguir que se cumprissem os compromissos por si assumidos e proclamados no “dia em que emergimos da noite e do silêncio”. Foi uma luta que não evitou ruturas no seu seio, foi uma luta onde os defensores de outras soluções tudo tentaram para que o 25 de Abril se não consumasse por inteiro.
Enquanto um dos dirigentes do MFA, esse coletivo que está em letras de ouro na História de Portugal, sinto-me honrado e feliz por ser um dos seus elementos e sinto-me mais realizado como Homem – depois de já ter feito uma filha, ter escrito um livro e ter plantado uma árvore. A nossa intervenção, quer no período pré-constitucional, quer no período constitucional de transição (decidida por acordo entre os vários partidos representados na Assembleia Constituinte, com exceção do deputado representante da UDP), foi no meu entender essencial para que o regime democrático consignado na Constituição da República – aprovada por 92% dos deputados eleitos, numas eleições com a participação de 92% dos eleitores – esteja a comemorar 50 Anos de Vida. Foram 50 anos com altos e baixos, na qualidade da democracia praticada. Estivemos à beira do abismo, quando uma intervenção do exterior (Troika) não era suficiente para os responsáveis governativos, que proclamavam querer ir além da mesma. A Constituição da República, em boa hora, aprovada em 2 de abril de 1976, foi o instrumento que permitiu aos portugueses “saírem do buraco”, sem serem obrigados a interromper a democracia, como alguém defendeu nessa ocasião.
Hoje parece querer-se imitar as ondas neofascistas que assolam o Ocidente, nomeadamente a Europa, onde, nem que seja apenas pelo fator geográfico estamos integrados, passados que são os quase 50 anos do “orgulhosamente sós”. A minha esperança e a minha convicção é de que os portugueses consigam manter uma sociedade onde os Valores de Abril – Liberdade, Paz, Igualdade, Democracia – continuem a fazer de Portugal, um velho país, a caminho dos 900 anos, com um povo que teima em manter-se livre independente porque “poderá não saber-se governar, mas também se não deixa governar”.
Vasco Lourenço, Presidente da Associação 25 de abril