: 25 de Abril, 2025 Redação:: Comentários: 0

A Mais Magazine esteve à conversa com Cátia Primo Martins, Area Manager for Iberia, que aborda o trabalho diário do Grupo Maltha no processo de reciclagem do vidro na procura de “alcançar o verdadeiro conceito de economia circular”. Uma tarefa que deve ser enaltecida numa fase em que o nosso país “não é autossuficiente em vidro reciclado”, sendo “urgente definir um plano de ação para Portugal que se revele exequível, eficaz e eficiente”.

Comecemos esta entrevista por nos contar um pouco mais sobre a atividade diária e mundial desenvolvida pelo Grupo Maltha, nomeadamente em Portugal.

O Grupo Maltha, pertencente ao grupo Renewi, tem sede na Holanda e 7 fábricas na Europa, distribuídas entre Portugal, França, Bélgica, Holanda e Reino Unido. Anualmente, processamos mais de 1 milhão de toneladas de resíduos de vidro. O vidro recolhido é purificado e reprocessado em vários tipos de granulometrias, inteiramente de acordo com as especificações dos nossos clientes das indústrias de vidro.

Quais os valores identitários que regem a atividade da Maltha no nosso país?

Os nossos valores são o pilar fundamental do nosso desenvolvimento, pois é aquilo que nos distingue e nos define enquanto empresa. “O que fazemos” é tão importante quanto “o como fazemos”. Como valores identitários, destacamos a Segurança – o nosso primeiro valor, aquele que colocamos acima de tudo; a Responsabilidade, cuidamos e criamos relações sólidas todos os dias e assentamo-las no respeito pela diferença; a Sustentabilidade – primamos por fazer a diferença todos os dias para o nosso planeta; a Inovação – procuramos fazer melhor todos os dias; a Orientação para todas as partes interessadas – desenvolvemos relações de confiança e excelência, procurando exceder as expectativas e o Relacionamento Interpessoal – recebendo e partilhando informação de forma clara e consistente.

Cátia Primo Martins, Area Manager for Iberia

Com que tipo de vidros a Maltha trabalha? Que cuidados cada um deles requer?

As nossas matérias-primas são os resíduos de vidro de embalagens vazias como, por exemplo, garrafas de bebidas e frascos de compotas; e os resíduos de vidro plano, como janelas de residências, janelas de automóveis, vidro de estufas e vidros de espelhos. Para a recolha do vidro, trabalhamos em estreita colaboração com empresas de recolha e sistemas municipais de reciclagem em toda a Europa. É fundamental garantir uma correta separação de vidro, por forma a garantirmos que é tecnicamente viável a reciclagem.

Fale-nos sobre as etapas existentes desde a receção do vidro até ao produto final. Como é constituído o processo industrial?

O processo que temos implementado, visa não apenas a produção de produtos acabados, como também a segregação dos diferentes contaminantes que acompanham os resíduos de vidro, tais como papéis, plásticos, cerâmicas, pedras, metais ferrosos, metais não ferrosos, entre outros. A tecnologia que temos implementada procura assegurar que todos os resíduos tenham destinos de reciclagem. Nos últimos cinco anos, realizámos vários projetos e investimentos de forma a alcançar este mesmo objetivo. Temos investimentos específicos para assegurar a maior seletividade e separação dos diferentes contaminantes do vidro, de forma a que estes materiais possam ter um correto encaminhamento para operações de reciclagem. Não nos focamos apenas no vidro, temos uma visão e um processo que procura assegurar a circularidade de todos os materiais, tanto do vidro, como dos materiais contaminantes. São as diferenças entre as características físicas e químicas do vidro e dos seus contaminantes que nos permitem selecionar as operações unitárias que assegurem a sua separação de forma eficaz e eficiente. Como etapas principais do processo destacamos: receção e caracterização dos resíduos de vidro; seleção granulométrica; separação magnética; separação de leves; deteção ótica. O processo é monitorizado em contínuo pelo controlo de qualidade. Com o processo de reciclagem de vidro pretendemos que o vidro permaneça infinitamente no seu ciclo de vida (que como já referi, é infinito).

Os vidros podem ser reaproveitados para que efeito? Qual o portfólio de produtos finais?

Maltha não procura ser o maior reciclador de vidro, mas sim o melhor reciclador de vidro. Este pequeno detalhe é bastante diferenciador, pois a forma como estrategicamente nos desenvolvemos, é completamente diferente. Ser o melhor reciclador de vidro, significa alcançar o verdadeiro conceito de economia circular, ou seja, garantir que o vidro retorna aos fornos de vidro, para voltar a ser uma embalagem de vidro, um vidro de janela, um vidro de automóvel. Só assim garantimos a verdadeira circularidade deste material. No caso particular do vidro, conseguimos fazê-lo infinitamente, dado que o vidro é infinitamente reciclável. O portfólio padrão do grupo Maltha inclui mais de 20 tipos de produtos finais, todos eles preparados com vidro reciclado e separados por qualidade, cor e tamanho. Na tipologia de produtos encontram-se, por exemplo, o vidro verde, o branco, o âmbar e o vidro de cor mista. Do ponto de vista de granulometria, fornecemos uma gama variada. Todas as nossas fábricas estão certificadas com o certificado de Fim de Estatuto de Resíduo para o vidro.

Qual a importância em criar valor sobre o resíduo de vidro de embalagem para, desta forma, dinamizar e apoiar a economia circular?

O mundo está num ponto de viragem, onde os antigos métodos de produção e consumo precisam de se transformar em alternativas mais sustentáveis e circulares. Sendo o vidro infinitamente reciclável, contribuímos de forma ímpar para a economia circular. Do ponto de vista da sustentabilidade, elevamos a reciclagem de vidro não só ao nível da economia circular, como também procuramos ir mais além, contribuindo para a redução das emissões de carbono, no consumo de recursos naturais e na produção de resíduos, dado o papel fundamental que a reciclagem de vidro desempenha em todos estes quadrantes. Procuramos ativamente alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Susten-tável (SDG’s), nomeadamente na Ação Climática, no Consumo e produção responsável, nas Cidades e Comunidades Sustentáveis, na Energia acessível e limpa, na Água limpa e saneamento e na Saúde e bem-estar.

Atualmente, as novas tecnologias são uma ferramenta indispensável para a eficiência das empresas. Que tipo de tecnologias õ Grupo Maltha possui para uma eficiente gestão dos resíduos? Quais os vossos principais investimentos em infraestruturas que visam manter-vos na vanguarda tecnológica?

Neste momento, Maltha encontra-se a desenvolver, juntamente com empresas parceiras, tecnologia apoiada na Inteligência Artificial. Estamos também com projetos de implementação de tecnologia que permite a separação e reciclagem de vidro negro, chamado “dark glass”, por forma a garantirmos a circularidade deste tipo de vidro, que atualmente ainda é uma limitação à indústria de reciclagem de vidro. Temos já 2 fábricas com a tecnologia de “dark glass” instaladas, uma delas é a nossa fábrica de Portugal. Fomos umas das fábricas pioneiras do grupo. Claro está que, como portuguesa que sou, isso enche-me de orgulho. Fomos pioneiros na produção de energia fotovoltaica para autoconsumo e encontramo-nos a desenvolver um novo projeto nesta área. Estamos também a desenvolver projetos disruptivos na área da segurança, como não poderia deixar de ser. Encontramo-nos em testes com tecnologias de Automating Sorting, por forma a conferir, de forma transversal, mais segurança em todas as fábricas do nosso grupo. Temos uma equipa técnica muito experiente na área de reciclagem de vidro e bastante proativa.

Recentemente a Maltha associou-se à Sociedade Ponto Verde e à Associação Resitejo num projeto inovador que visa aumentar a taxa de reciclagem do vidro. Fale-nos um pouco sobre este projeto, nomeadamente os vossos objetivos/metas a atingir e que tipo de medidas serão implementadas.

Este projeto é um projeto que juntou três entidades, Maltha, Resitejo e Sociedade Ponto Verde e que tem como objetivo recuperar o vidro que não é separado nos nossos ecopontos e que é descartado juntamente com os resíduos urbanos indiferenciados. Trata-se de um projeto-piloto que está em marcha, onde se pretende verificar se é tecnicamente possível e sustentável recuperar este vidro e se este reúne condições técnicas para ser reciclado em Maltha. É um projeto muito importante para o nosso país e que num futuro, não muito longínquo, deverá ser replicado em outras regiões de Portugal, de forma a recuperarmos o vidro que está a ser descartado nos resíduos indiferenciados e a ser depositado nos aterros de resíduos sólidos urbanos. Desta forma, daremos uma nova vida a este vidro, transformando-o novamente numa nova embalagem. Esta iniciativa revela-se essencial para o avanço da reciclagem de vidro e para a otimização dos processos de separação de resíduos.

Qual o atual cenário do setor em Portugal a nível da reciclagem do vidro? Quais os principais desafios?

Tal como já referi, quando se recicla vidro, dá-se nova vida às embalagens de vidro “ad infinitum”. Para que tal aconteça, existe uma condição muito importante: que o vidro seja corretamente separado na fonte. Portugal não é autossuficiente em vidro reciclado e os níveis de contaminação dos resíduos de vidro são uma realidade que nos distancia da Europa. A indústria vidreira necessita de mais vidro reciclado, do que o que é atualmente recolhido em Portugal pelos sistemas de reciclagem. Portugal está a ficar sem tempo para atingir as metas de reciclagem preconizadas pela União Europeia e é urgente definir um plano de ação para Portugal que se revele exequível, eficaz e eficiente. O desafio não passará por Portugal reinventar a roda. Fazemos parte da União Europeia que tem bons exemplos de elevadas taxas de reciclagem de vidro. O desafio passará por saber adaptar esses bons exemplos ao nosso país, sejam eles comunicação e sensibilização, recolha e transporte, tecnologia, monitorização e controlo, legislação, entre muitas outras, que poderemos encontrar na nossa Europa e adaptá-las ao nosso país, à nossa cultura, à nossa geografia, à nossa sociedade.

Qual o balanço que faz dos anos de atividade da Maltha em Portugal?

O Grupo Maltha conta já com mais de 100 anos de experiência no domínio do vidro, da reciclagem e da reutilização do vidro. Em Portugal, contamos já com mais de ¼ de século de experiência. Nos últimos três anos, passámos por uma importante transição. Realizámos vários investimentos que contribuíram, de forma positiva, para a segurança da instalação, para o alcance de um patamar de sustentabilidade ambiental e energético superior, para o aumento de quantidades e para a melhoria de qualidade do produto. Substituímos e modernizámos equipamentos e testámos e implementámos pré-tratamentos da matéria-prima a processar. Adicionámos também uma área de armazenamento coberta, com instalação painéis fotovoltaicos, que nos permitiu assegurar 25% de energia elétrica com fonte renovável.

E perspetivas para o futuro?

Para o futuro, perspetivamos a continuidade na implementação de novos projetos de investimento, no aumento da eficiência do nosso processo. Procuraremos desenvolver parcerias e projetos ao nível nacional para contribuirmos para o aumento das taxas de reciclagem de vidro em Portugal. O desenvolvimento de novas competências técnicas das nossas equipas são também um dos nossos focos. Em suma, o crescimento e a expansão do grupo Maltha, tanto fora de Portugal, como aqui em Portugal, continuarão a ser um dos objetivos estratégicos do grupo Maltha.