: 24 de Outubro, 2025 Redação:: Comentários: 0

Em entrevista à Mais Magazine, o arquiteto Nuno Ladeiro fala sobre as particularidades de dois projetos desenvolvidos em coautoria com a arquiteta Carmo Branco — a Casa RP e o Edifício Flor do Tejo. Ambas as obras são da responsabilidade da empresa Vomera Building Solutions, fundada em 2019 por Delphine Gerardo e Sérgio Santos, com sede em Santarém, que se dedica a projetos residenciais, industriais e públicos, oferecendo soluções “chave na mão” com enfoque na qualidade, inovação e sustentabilidade.

O que o levou a seguir arquitetura e como nasceu o seu atelier? Que princípios orientam o trabalho que desenvolve?

Desde muito cedo percebi que a arquitetura era uma forma de unir a criatividade à funcionalidade e ao espírito do lugar. Estudei arquitetura e posteriormente aprofundei os estudos em design na Domus Academy em Itália, o que me permitiu ver cada projeto não só como uma construção, mas também como uma experiência de habitar. O atelier nasceu desse desejo: de projetar espaços que façam sentido para quem os vive, que integrem as variáveis do entorno natural e urbanístico, e que sejam sustentáveis, duradouros e esteticamente equilibrados.

Os nossos princípios orientadores são a simplicidade formal, clareza no desenho arquitetónico, integração com o ambiente, uso de materiais simples e que envelheçam bem, adaptação solar e térmica e espaços fluidos (interiores/exteriores).

Um dos projetos em que trabalhou este ano em coautoria com a Arquiteta Carmo Branco foi a Casa RP, no Oeiras Golfe & Residence. O que mais o atraiu neste contexto e que marca pessoal quis deixar neste projeto?

O que mais me atraiu neste contexto foi a envolvente: o lote tem uma paisagem já estruturada, com o campo de golfe, a natureza e harmonia com a urbanização existente. Este tipo de contexto proporcionou um projeto interessante de equilíbrio entre responder às normas — morfologia, cérceas e alinhamentos — e inserir uma arquitetura que tem carácter próprio, mas sem destoar com a envolvente.

A minha marca pessoal neste projeto foi deixar claro que a casa vive com as estações do ano, com o sol, com o vento; criamos uma arquitetura fluida, que permite aos proprietários usufruir do interior/exterior, das variações de luz, da vegetação e dos espaços de lazer, proporcionando um diálogo constante com a envolvente. Não se trata apenas uma casa para habitar, mas sim para viver, relaxar e contemplar.

A Casa RP transmite serenidade e harmonia com a natureza. Que ideias guiaram a criação deste espaço entre conforto e sofisticação?

As ideias centrais foram: orientação solar (posição em L para proteger a casa dos ventos predominantes do quadrante norte; maximizar a incidência do sol a sul), envidraçados amplos para criar forte conexão visual com a paisagem, variações de plano para que haja transições suaves entre o interior e o exterior (salas, terraços, decks, piscina e espaços de pátio).A sofisticação surge da simplicidade: materiais simples, superfícies brancas, painéis de revestimento nas fachadas a simular madeira natural, mas sem qualquer manutenção; linhas retas; palas de sombreamento, e atenção aos acabamentos. O conforto foi um requisito fundamental na conceção da volumetria que protege o espaço da piscina do vento, do controle solar através de palas de ensombramento e varandas que provocam sombra sobre as superfícies envidraçadas.

Edifício Flor do Tejo

Já no projeto do Edifício Flor do Tejo, realizado em coautoria com a arquiteta Carmo Branco e o arquiteto João Rocheteau, que atualmente se encontra em construção em Santarém, ergue-se entre a cidade e a paisagem da Lezíria. Que conceito de “viver com vista” procuraram refletir neste projeto?

No edifício Flor do Tejo procurou-se capturar o diálogo entre a cidade e a paisagem da Lezíria do Tejo. “Viver com vista”, ou seja, desenhar os espaços de modo que essa vista seja parte integrante da experiência diária, através de varandas amplas, fachadas recortadas, espaços comuns que aproveitam a paisagem, logradouros privados e uma orientação predominantemente para sul (vistas sobre a Lezíria).

Este edifício introduz uma linguagem contemporânea num contexto urbano tradicional. Como equilibraram inovação e respeito pela identidade local?

Introduzir uma linguagem contemporânea num contexto urbano tradicional exige sempre o respeito pela envolvente, através do alinhamento de cérceas, ritmo das fachadas com as construções circundantes, cores e materiais dominantes; mas também modernidade através da introdução de uma volumetria audaz, marcada pelas fachadas dinâmicas e varandas recortadas, pelos materiais contrastantes e interação com a luz.

Tanto o Flor do Tejo como a Casa RP partilham uma visão de luxo discreto. O que significa para si o “luxo contemporâneo” na arquitetura?

Para mim, luxo contemporâneo não é necessariamente ostentação, mas sim qualidade: de espaço, luz, conforto, detalhe, durabilidade dos materiais e integração com a envolvente. Significa prestar atenção às necessidades reais das pessoas como a privacidade, vistas, conforto térmico e acústico e sustentabilidade, mas também estética refinada. É um luxo discreto.

E olhando para o futuro, que caminhos acredita que a arquitetura portuguesa deverá seguir para continuar a unir beleza, sustentabilidade e bem-estar?

Para o futuro, acredito que os caminhos mais promissores passam pela sustentabilidade real, não só certificações, mas práticas de eficiência energética, uso de materiais resistentes, aproveitamento das águas pluviais e energia solar. A Arquitetura deverá responder às alterações de clima, à temperatura excessiva, à necessidade de ventilação, sombra e conforto sem dependência de ar condicionado intenso. Valorizar a paisagem e a natureza e integrar a construção nas áreas verdes.

Introduzir tecnologia, mas com moderação – smart homes, domótica, mas sempre ao serviço dos utilizadores.

Considerar a cultura local /a identidade do lugar – resgatar elementos de referência local, não necessariamente estilísticos, mas de escala, materiais, luz e modo de viver.