
Os partidos que suportam o XXV Governo constituído após a recente campanha eleitoral, não achavam prioritária uma alteração às leis do trabalho. No entanto, mal chegaram ao poder, o cenário inverteu-se com uma espantosa rapidez!
O Anteprojeto da Lei de reforma da legislação laboral, apresentado pelo Governo, deixa poucas dúvidas acerca de quem quer favorecer, em nome da modernização e flexibilização das leis do trabalho.
Num Governo de ideologia de direita, seria de esperar uma proteção das famílias e uma promoção da natalidade, especialmente quando o envelhecimento da população portuguesa é tão preocupante, que põe em causa a sustentabilidade. Porém, são os direitos da família os mais atingidos.
São várias as questões que devem fazer os trabalhadores refletir, em especial os Enfermeiros, essa profissão essencial, mas sem direitos que a compensem, das quais destaco:
- Limitar a flexibilidade de horário, único mecanismo que as famílias têm para acompanhar os filhos, quando estes não estão na escola, é difícil de entender. Pensará o Governo criar mais creches e centros de ocupação de tempos livres abertos 24 horas, onde os pais possam deixar os seus filhos, para se dedicarem exclusivamente ao seu trabalho, demitindo-se do papel de pais? Será que não pensam nos direitos das crianças e nas consequências desastrosas da ausência dos pais?
- Será por esta razão que tentam limitar a amamentação a dois anos, contra todas as recomendações internacionais, impondo a entrega de um atestado que o comprove, fazendo desistir algumas mães desta ligação tão necessária para o seu bebé?
- Com um banco de horas, tão desejado pelos patrões para ser donos da vida dos trabalhadores, como será possível conciliar a vida pessoal com a familiar, se não existe planeamento possível da escala/horário?
- Será o trabalho uma imposição tão grande, que nem o luto gestacional se respeite, retirando o direito a utilizar três dias para recuperar, mental e fisicamente, deste momento tão marcante?
Antevejo tempos difíceis, pois a todas as alterações anteriormente referidas, acresce mais precariedade contratual, com o aumento do limite de tempo dos contratos a termo certo e incerto, e com o fim da proibição do outsourcing-que facilitará o despedimento para contratar quem seja menos exigente ou trabalhe por preço mais aliciante. Neste cenário será mais difícil aos trabalhadores assumirem compromissos importantes e exigentes, como adquirir casa própria, numa altura em que já existe tanta dificuldade em arrendar ou comprar casa, pelo valor exagerado das mesmas no mercado, fruto da especulação imobiliária e do desinteresse governamental em regular este setor.
É importante que os trabalhadores em geral, e os Enfermeiros em particular, percebam a necessidade imperiosa de se sindicalizarem. Prepara-se um ataque sem precedentes aos seus direitos!
Avizinha-se uma mudança dos serviços mínimos, que será apenas mais uma forma de condicionar a greve. Além disso, os acordos coletivos de trabalho que se pretendem negociar, com uma urgência nunca vista, não parecem ter intenção de melhorar as condições de trabalho, mas antes de validar alterações que a lei não permite sem este acordo. Agitam-se os fantasmas das 40 horas, do banco de horas individual, da imposição de acordo coletivo de trabalho, a menos que o trabalhador se oponha a essa aplicação, o que se afigura difícil, sem apoio sindical.
No momento da escolha eleitoral, alertei para os riscos de perda de direitos que se vislumbrava no discurso político. Sabia que a sua dimensão seria avassaladora.
Porém, em democracia, vence a escolha da maioria. Resta saber se esta aceita a escravidão que lhe tentam impor. Se decidirmos apenas encolher os ombros ao invés de recusar este ataque, poderemosperder, para sempre, o direito a ter vida pessoal e familiar, assumindo-se que será o trabalho que dominará a nossa vida.
Como representante sindical, cá estarei para assumir a responsabilidade de lutar pelos direitos de todos os Enfermeiros, sem nunca trair as suas expectativas, como temo poder acontecer com quem não tenha a integridade e isenção de se manter fiel aos seus princípios. Assim eles percebam a importância de abraçar esta luta, não só para a sua geração, como para as gerações futuras.
Raquel Botellero, Secretária da Direção da ASPE – Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros
