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A valorização dos profissionais de enfermagem no Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem sido uma questão central de debate, especialmente no contexto das recentes propostas do Governo e das críticas da Associação Sindical dos Profissionais de Enfermagem (ASPE). No entanto, a insistência do Governo em negociar e a implementação de soluções de curto prazo, que se têm mostrado ineficazes, destacam um padrão recorrente na Administração Pública: a procura por respostas rápidas e visíveis, esquecendo intencionalmente as causas estruturais dos problemas.

Este enfoque, embora ofereça resultados imediatos em termos de comunicação política – com grande impacto na sociedade e, mais importante, nos profissionais de enfermagem -, não resolve questões cruciais que comprometem a qualidade do serviço prestado à população e a motivação dos profissionais envolvidos. A ASPE, por sua vez, tem demonstrado ser capaz de apresentar análises bem detalhadas e bem fundamentadas da situação, propondo soluções mais abrangentes, mas lamentavelmente, tem-se confrontado com a total indiferença de um Ministério da Saúde que parece mais inclinado a resolver os problemas de uma forma superficial. Como bem sabemos nada disto é novo neste setor da Administração Pública!

O padrão de resposta rápida, tão característico da Administração Pública, tende a valorizar habitualmente soluções imediatistas que podem ser facilmente traduzidas em ganhos eleitorais, como aumentos salariais escalonados ou os habituais ajustes pontuais. E muitos atores dentro do sistema parecem encontrar nestas soluções elementos de generosidade por parte do Ministério da Saúde neste tipo de abordagem negocial. Contudo, o que sabemos bem, é que estas abordagens não resolvem as distorções estruturais do sistema e, no caso das carreiras de enfermagem, pior ainda, contribuem para uma perpetuação das falhas já existentes.

A recente proposta do Governo acordada com 5 sindicatos de enfermagem, são exemplo disso, não corrige as omissões, incoerências e prejuízos causados pela redação legislativa do DL nº 71/2019, de 27 de maio, que penaliza os Enfermeiros, em especial os especialistas e gestores, não resolve as inversões de posição relativa entre enfermeiros e cria outras situações de inversão salarial. Em vez de uma revisão profunda e sistemática das políticas de carreira, as soluções adotadas limitam-se apenas a uma tentativa de mascarar as dificuldades com medidas fragmentadas, sem resolver o impacto negativo das legislações anteriores.

Essa visão redutora, que se foca exclusivamente no imediato, ignora as complexidades subjacentes ao setor da saúde e as necessidades dos seus profissionais, comprometendo a capacidade do SNS de responder às exigências da população

Outro aspeto crítico da proposta do Governo é ignorar a distorção criada pelas mudanças remuneratórias implementadas em 2019 que resultaram em posições intermédias que reduzem a diferença salarial entre categorias, o que não só diminui o reconhecimento dos graus académicos no âmbito da especialização dos Enfermeiros como também gera um sentimento de uma profunda injustiça entre os profissionais. Além disso, a progressão de carreira tem sido enfraquecida pela falta de uma política clara que permita aos Enfermeiros ascender com base na sua experiência, qualificação e mérito

Em contraste com outros atores, a ASPE tem-se esforçado muito para apresentar soluções mais robustas, integradas e bem fundamentadas, refletindo uma análise crítica das falhas do sistema e propondo reformas mais complexas e que vão além da mera questão salarial. A associação defende que a valorização da profissão de enfermagem não deve, pois, ser medida apenas pelo aumento de salários, mas também pela construção de uma carreira sólida, baseada no reconhecimento do mérito e numa progressão equitativa com os restantes profissionais de saúde.

A existência de normas legais que tragam previsibilidade aos percursos profissionais, que evidenciem reconhecimento pela diferenciação e mantenham a justiça relativa entre Enfermeiros é tão importante como uma remuneração justa. E é relevante notar que a remuneração justa dos Enfermeiros não deve ser vista apenas como uma questão económica, mas antes como um pilar essencial para a coesão social e para a dignidade do trabalho.

A ASPE entende que a valorização dos Enfermeiros deve ser estruturada de uma maneira que considere não apenas o pagamento, mas também o reconhecimento da responsabilidade e das competências adquiridas ao longo da carreira. Este sindicato tem ainda abordado a necessidade de corrigir as inversões salariais causadas pelas reformas anteriores, destacando a falta de uma verdadeira política de progressão, que permita aos Enfermeiros evoluir com base nas suas competências e na sua experiência profissional. Estas propostas, que são minuciosamente detalhadas, não têm sido devidamente consideradas pelos responsáveis políticos, apesar da sua evidência e pertinência.

É neste contexto que emerge a preocupação com a visão de curto prazo do Governo (e não só!), que se contenta com ajustes limitados, como aumentos salariais escalonados até 2027, sem abordar as lacunas estruturais que persistem. Ao apostar em soluções que resolvem apenas a questão salarial imediata, o Governo ignora a necessidade urgente de uma reestruturação que leve em conta a progressão de carreira, a meritocracia e a compensação pelo aumento de responsabilidades. Estas alterações, longe de resolverem os problemas profundos da classe, criam novas distorções e continuam a manter os Enfermeiros presos a um ciclo de insatisfação e de desvalorização.

Num momento em que o SNS enfrenta enormes desafios, incluindo a sobrecarga dos serviços e a crescente exigência de cuidados complexos consideramos urgente que se repensem as políticas de carreira e se reconheça que sem profissionais motivados, qualificados e justamente valorizados, o sistema não será capaz de responder eficazmente às necessidades da população

Mas o que já sabemos há muito tempo é que, quando se ignora a importância de uma efetiva estruturação da carreira e do reconhecimento do mérito, os Enfermeiros perdem a motivação, o que acaba por enfraquecer o SNS como um todo, resultando num impacto direto na qualidade dos cuidados prestados.

A falta de uma verdadeira política de avaliação e promoção tem levado à desmotivação de muitos profissionais, que veem que os seus esforços não são recompensados de uma forma justa. No entanto, ao invés de se abordar estas falhas de forma estruturada, o Governo prefere optar por soluções superficiais, como os aumentos salariais escalonados, que não resolvem de todo os problemas fundamentais da classe e não geram as condições necessárias para a melhoria do SNS. Com o beneplácito de muitos!

Estou absolutamente convicto que a verdadeira valorização dos Enfermeiros deve ser pensada de uma forma holística e integrada. As reformas não podem continuar a ser limitadas a uma questão salarial, mas antes a abranger todos os aspetos que impactam o trabalho dos Enfermeiros, desde a progressão na carreira até ao relevante reconhecimento das suas responsabilidades e competências.

Para que se consiga assegurar um futuro resiliente e eficiente para o Serviço Nacional de Saúde, considero que é urgente que o Governo abandone de uma vez as soluções paliativas e aposte numa valorização genuína dos Enfermeiros, criando um ambiente que reconheça o seu papel vital e que os motive a contribuir para a excelência do sistema. Só assim poderemos garantir que o SNS seja verdadeiramente capaz de enfrentar os desafios do futuro e responder com excelência às necessidades da população.

Sérgio Serra, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros