Com uma Francesinha na capa desta edição, e logo do Café Santiago, onde vou habitualmente há já mais de 20 anos, não posso deixar de recordar uma reportagem que fiz há já bastante tempo, precisamente sobre este símbolo gastronómico do Porto. “Do Porto com amor… picante”, foi o título escolhido, de um trabalho que durou semanas, onde entrevistei historiadores, associações, instituições da cidade e apreciadores. E, claro, onde tive de degustar umas cinco ou seis, pelo menos, em sítios diferentes.
Desde esses dias até hoje, alguns dos lugares visitados já fecharam, muitos outros abriram, fruto das dinâmicas constantes da economia da cidade e do país. Começava assim:
“O nome é em tom diminutivo, carinhoso até, com um toque malandro. Mas de pequena não tem nada, embora nem sempre tenha sido tão grande. Cresceu com o tempo, como se pessoa fosse. E, sobretudo, popularizou-se de tal forma que faz parte de praticamente todas as ementas dos restaurantes, cafés e snack-bares do Grande Porto.”
Na altura, um dos entrevistados foi o historiador Hélder Pacheco, conhecedor do Porto como poucos, que considerava a Francesinha “a única grande invenção gastronómica do séc. XX”, já que a nossa gastronomia é “muito oitocentista, setecentista”.
A Francesinha foi criada no restaurante Regaleira, na rua do Bonjardim, que entretanto fechou, mas que ainda visitei nesses dias, e que já reabriu uns metros abaixo da localização original. O seu autor foi o barman Daniel David da Silva, de Terras de Bouro, que viria a emigrar para França e Bélgica, antes de se radicar no Porto. Foi nesses países que se cruzou “com duas sanduíches francófonas – o croque monsieur e a croque madame”, as grandes inspirações para esta criação portuense. O toque que faz toda a diferença, o molho, terá sido criado a partir do Welsh rarebit, um prato galês, que o barman minhoto terá ficado a conhecer no English Bar, no Cais do Sodré, em Lisboa. Este molho original tinha sal, pimenta, cerveja e muita paprica.
Já o nome, esse vem das mulheres francesas, que Daniel Silva terá conhecido nos seus tempos de emigrante, e que “faziam parte do imaginário dos homens portugueses, por serem mais abertas e vestirem-se de uma forma mais cuidada do que as oprimidas mulheres portuguesas do tempo do Estado Novo”.
Como já estou a ficar sem espaço para mais, deixem-me só partilhar o testemunho que me deixou Graça Lacerda, então responsável pelo “circuito da Francesinha” organizado pela Câmara Municipal do Porto, através da Casa do Infante: “Comer uma francesinha é mais do que saborear um prato. É um convívio. Alguém que decide ir comer uma francesinha normalmente não quer ir sozinho. É algo que mexe com todos os nossos sentidos.”
Finalizei então essa reportagem com o mesmo convite que agora aqui deixo: “vamos sair para comer uma?”