Em entrevista, Álamo Meneses, Presidente da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, aborda o renascimento das ruínas, a resiliência do povo e as ações empreendidas para preservar não apenas a história, mas também o futuro desta cidade açoriana.
Em 1983, o centro histórico de Angra do Heroísmo foi classificado Património Mundial UNESCO, sendo que três anos antes a cidade fora atingida por um sismo. Nesse sentido, pergunto-lhe se este título, mais do que um simples reconhecimento, simboliza o “renascer das cinzas”?
Embora simbolicamente tenha sido um renascer das cinzas, qual Fénix, foi na realidade um renascer das ruínas, já que cerca de 80% dos prédios ficaram danificados ou foram totalmente derrubados. A classificação é na realidade também uma homenagem ao povo desta terra que soube fazer da adversidade uma oportunidade e em tempo extraordinariamente curto foi capaz de reerguer as suas casas, dando-lhe as condições de segurança e de modernidade que elas não tinham antes da catástrofe. A cidade que saiu das ruínas é bem mais forte e bem mais resiliente daquela que tínhamos antes, restaurando muitos dos seus prédios para a sua antiga configuração e eliminando muitas das dissonâncias arquitetónicas que haviam sido introduzidas nas décadas anteriores. Mas também convém lembrar que esta classificação reconhece o papel universal que a cidade teve no período da expansão europeia pelo mundo, tempo em que foi verdadeiramente o elo essencial no retorno seguro à Europa de quem navegava para sul do trópico.
Podemos afirmar que o centro histórico é a joia da coroa de Angra do Heroísmo? O que pode ser encontrado nesta zona da cidade distinguida como Património Mundial?
O centro histórico de Angra, ao albergar os principais edifícios e lugares ligados à história da cidade é, de facto, o coração da ilha e por isso muito justamente a área que merece maior destaque. Contudo, a cidade de Angra tem muito mais a oferecer para além da zona classificada e a ilha alberga povoações de grande interesse histórico e arquitetónico, para além do maior e mais bem preservado parque natural dos Açores. Na cidade, para além da sua estrutura urbana ortogonal, estruturada com ruas largas e arejadas, muito à frente do urbanismo moderno, estão presentes os traços da sua ligação história aos Descobrimentos, à história portuguesa e à história europeia. No Castelo de São João Baptista, a maior fortaleza do Atlântico, está bem marcada a resistência à União Ibérica, período em que durante quase três anos a cidade resistiu à união com Espanha e sustentou, quase só, a realeza de D. António I, o Prior do Crato, e na Memória, o papel glorioso que a cidade teve na implantação do liberalismo em Portugal, dando a 22 de junho de 1828 o tiro de partida da Guerra Civil Portuguesa que levaria ao triunfo do constitucionalismo e dos ideais da liberdade e igualdade em Portugal. Mas muito mais se poderia dizer, desde a Catedral, sede da Diocese dos Açores, ao Palácio dos Capitães-Generais, sede da governação açoriana no período em que Angra foi a capital dos Açores.
Que esforços têm sido feitos no sentido de preservar e valorizar o património histórico e cultural de Angra do Heroísmo?
A cidade de Angra do Heroísmo, pese embora a destruição que resultou do terramoto de 1 de janeiro de 1980, mas também por força da exemplar reconstrução que se lhe seguiu, é uma das cidades mais bem conservadas do país e está entre as melhores da Europa na preservação do seu legado arquitetónico e histórico. Para além do grande investimento municipal que foi feito ao longo dos anos, os proprietários dos imóveis têm feito um grande esforço na sua valorização e boa manutenção. O trabalho de gestão urbanística da cidade tem primado pela sua constante valorização, pelo que os visitantes são surpreendidos pela qualidade do edificado e pelas cores vibrantes utilizadas nas fachadas citadinas. Contudo, este é um processo que carece de constantes aprimoramentos, quer na vertente regulamentar, já que existe legislação específica, o Plano de Pormenor de Salvaguarda, quer na melhoria do espaço público e na modernização da cidade. Os últimos anos foram marcados pela recuperação de imóveis marcantes, com destaque para as igrejas dos conventos das Concepcionistas e dos Capuchos e para a antiga Casa dos Pamplonas, e pela melhoria nas infraestruturas viárias, com destaque para a criação do parque de estacionamento do Relvão e a abertura de um caminho pedonal entre o Fanal e o Portinho Novo.
Em 2023 organizaram uma série de iniciativas para assinalar os 40 anos desta distinção. Fale-nos um pouco mais sobre as mesmas e sobre a adesão que tiveram por parte do público.
O ano de 2023 foi marcado por uma programação especificamente preparada pelo Município para evocar a importância da classificação da zona central de Angra do Heroísmo como património mundial da UNESCO, procurando-se envolver a população na reflexão sobre os motivos que levaram a esta distinção, mas sobretudo na projeção do futuro da nossa cidade, na perspetiva do enriquecimento e da modernização sustentável do nosso património. Desde logo, decidiu-se dedicar as maiores festividades realizadas nos Açores, as Sanjoaninas, a esta temática, aproveitando este evento de grande magnitude, que envolve dezenas de milhares de pessoas, para abordar o tema da classificação e para promover a importância histórica e patrimonial da nossa cidade. Realizou-se durante todo o ano um ciclo de conferências, em parceria com o Instituto Histórico da ilha Terceira, que constituíram importantes momentos de reflexão e de debate sobre o passado e o futuro da nossa cidade e, em particular, da sua zona classificada, mas também de análise comparativa com outros centros históricos classificados do nosso país. Foram organizados vários eventos culturais, designadamente concertos e peças de teatro, lançaram-se livros e documentários sobre o tema e atraiu-se a realização de eventos de caráter internacional na nossa cidade, como a Bienal Ibérica do Património Cultural e a Glex Summit. Os eventos referidos são meramente exemplificativos de uma programação que foi particularmente intensa e que, felizmente, superou as nossas expetativas no que diz respeito à participação do público.
Para além do centro histórico, que outros locais considera serem de visita obrigatória para quem visita a cidade? E em termos gastronómicos, que iguarias valem a pena provar?
O Monte Brasil, integrado no centro histórico, mas ao mesmo tempo fora da cidade, é um belíssimo parque citadino com enorme interesse histórico, com a fortaleza de São João Baptista, interesse paisagístico, com as melhores vistas sobre a costa sul da ilha, e interesse geológico, sendo uma rara formação vulcânica que mereceu integrar o Geoparque Açores da rede UNESCO. Também a partir do centro da cidade, embarcando no histórico Cais da Alfândega, é possível usar uma das embarcações marítimo-turísticas para observar baleias e golfinhos ou visitar os ilhéus das Cabras. No interior da ilha, o Algar do Carvão e as Furnas do Enxofre são de visita obrigatória para quem queira conhecer alguns dos mais extraordinários ambientes vulcânicos destas ilhas. Na vertente da gastronomia, para além da grande diversidade de peixes fresquíssimos e da excelente carne bovina, há que provar uma boa alcatra, se possível regada com um verdelho dos Biscoitos.
Foram novamente distinguidos enquanto “Autarquia + Familiarmente Responsável”. Este reconhecimento demonstra o compromisso deste executivo em promover ações que respondam às necessidades das famílias do concelho?
O Município tem tido uma particular atenção às questões sociais, seja na vertente da habitação, em que é detentor do maior parque habitacional público do arquipélago, um legado do terramoto de 1980, quer no apoio direto às famílias no arrendamento e na melhoria das condições de habitação. Também tem um dos melhores regimes de bolsas de estudo para frequência do ensino superior do país, com um investimento anual superior a 750 mil euros, e no apoio aos centros de convívio de idosos, em que existe um por freguesia, e nas suas atividades. Foram estas políticas que permitiram ao Município obter aquele galardão.
No final do ano passado inauguraram o edifício do futuro Centro Interpretativo de Angra do Heroísmo. O que representa para o município este novo espaço cultural?
Acima de tudo permitiu recuperar um notável edifício que se encontrava em ruínas desde o terramoto de 1980, integrando-o no Jardim Público que assim ficou substancialmente alargado. Com a assinatura do arquiteto Siza Vieira, o edifício vai albergar um importante conjunto de exposições que permitem contar a história da cidade, dando a conhecer aos residentes e visitantes a extraordinária relevância deste lugar, justificação da sua inclusão na lista do Património Mundial. Com a sua inauguração abrem-se novas oportunidades no campo do autoconhecimento dos angrenses e de melhor dar a conhecer a cidade e a ilha a quem nos visita.
Também no ano transato reconstruíram a Igreja das Concepcionistas que se encontrava destruída desde 1980, na sequência do sismo. Conte-nos mais detalhes sobre esta obra.
A igreja das Concepcionistas é parte de um complexo conventual que na década de 1830, com a extinção das ordens monásticas, passou a albergar o Hospital da Santa Casa da Misericórdia. Com origem no século XVII é uma igreja com grande relevância arquitetónica e memorial, cuja reconstrução veio permitir eliminar uma das principais ruínas existentes na cidade e restituir qualidade urbanística à zona onde se insere. O mesmo está a ser feito na igreja de Santo António dos Capuchos, também arruinada desde o terramoto, e na igreja de São João Baptista do Castelo, que também estava muito degradada. São grandes investimentos na requalificação do património construído da cidade que já permitiram melhorar em muito o estado de conservação do património classificado nela existente.
Para terminar, do seu ponto de vista, por onde passa o futuro da Angra do Heroísmo?
O futuro de Angra passa claramente pelo reforço da sua centralidade enquanto centro de prestação de serviços e de comércio. A cidade precisa de manter a sua vitalidade económica e demográfica, sendo para isso necessária uma particular atenção à facilitação do investimento e à requalificação urbana. Criar empregos bem remunerados na cidade, capazes de fixar famílias jovens, é o principal desafio que se coloca à sustentabilidade da cidade. Isso implica abrir a cidade à modernidade e abraçar as novas tecnologias, seja na vertente da construção, seja na busca da sustentabilidade económica e ambiental.