: 24 de Outubro, 2025 Redação:: Comentários: 0

A Arquitetura, historicamente marcada por uma forte presença masculina, vive hoje alguns paradoxos. De um lado, temos as nossas universidades a formar mais mulheres do que homens — 53% dos diplomados entre 2003 e 2023 são arquitetas. O ensino da arquitetura tem uma presença constante de arquitetas, mas não em cargos de direção. Nos Orgãos da Ordem dos Arquitectos temos tido distintas lideranças femininas.

Contudo, apesar disso, não podemos esquecer que em Portugal, a diferença salarial entre arquitetas e arquitetos é 21% desfavorável às mulheres, um fosso superior à média europeia de 17%. Ao mesmo tempo, a sub-representação feminina em cargos de liderança – sobretudo na administração pública – persiste, constrangindo uma visão essencial para a cultura arquitetónica contemporânea, que é precisamente a visão e a sensibilidade feminina.

Assim, o balanço tem de incluir os positivos e negativos. Temos cada vez mais e melhores arquitetas, mas ainda há caminho para fazer em termos de equidade.

Mais do que diferenças no acesso a oportunidades ou reconhecimento da qualidade técnica e profissional, sinto que precisamos de maior valorização da visão feminina da arquitetura. Aquela visão de uma “arquitetura cuidadora”, que cuida da comunidade, que coloca o lado humano na construção das cidades e da habitação.

Para dar apenas um exemplo recordo Yasmeen Lari, a arquiteta paquistanesa, que acaba de passar por Lisboa para receber o Prémio Carreira Trienal de Lisboa / Millenium BCP, precisamente pela sua “arquitetura humanitária”, a favor de pessoas afetadas por desastres naturais. Dito isto, é importante referir que na Ordem dos Arquitectos estamos atentos. Em matéria de equidade, os nossos créditos vão além de discursos e boas intenções. Ainda recentemente foi criado, juntamente com a Câmara Municipal de Loulé, um prémio de arquitetura com o nome da primeira arquiteta portuguesa, Maria José Estanco, no que queremos que seja uma homenagem e um justo reconhecimento da visão feminina da arquitetura. A primeira vencedora foi Paula del Rio Huesa, com o projeto de uma praça e Posto de Turismo em Piódão. Mas também defendemos que é essencial continuar a colocar as mulheres no centro do debate sobre o presente e o futuro da arquitetura. É isso que estamos a fazer com a preocupação de conseguir paridade de género no Congresso dos Arquitectos, que tem como tema “Inteligência Essencial” ou como esta reside na capacidade crítica de saber adaptar-se à inteligência artificial, e que vai ter lugar de 13 a 15 de novembro próximo, em Évora. Aí levaremos ao palco mulheres e homens para discutir o que realmente importa: por um lado carreiras e remuneração justa, por outro os temas que nos preocupam, como as alterações climáticas, o problema da água, dos incêndios, dos territórios vulneráveis e em guerra, o urbanismo resiliente. A inovação tecnológica, mas igualmente, as questões éticas, de autoria e responsabilidade arquitetónica. Ensino e formação profissional, sem esquecer a crise da habitação, a pobreza energética, a regeneração urbana e a ecologia ambiental.

A Arquitetura Portuguesa tem uma identidade sólida e reconhecida, mas só será verdadeiramente completa e capaz de responder à complexidade do mundo se integrar a diversidade dos seus autores e das suas experiências. A perspetiva feminina ensina-nos a olhar o espaço não apenas como matéria construída, mas como extensão da vida, das relações e da comunidade. É neste equilíbrio entre razão e sensibilidade, entre técnica e humanidade, que reside o verdadeiro sentido e valor da Arquitetura, e é neste espaço de equilíbrio que as mulheres arquitetas continuarão a deixar a sua marca indispensável.

Paula Torgal, Vice-Presidente da Ordem dos Arquitectos