: 26 de Setembro, 2025 Redação:: Comentários: 0

O conceito de sustentabilidade, na sua genuína exequibilidade, tornou-se, nas últimas décadas, uma das referências mais importantes para orientar o desenvolvimento e o progresso das sociedades contemporâneas. Todavia, apesar da sua ampla utilização, muitas vezes abusiva e esvaziada do seu real conteúdo, permanece o desafio de traduzir este ideal em práticas concretas em setores específicos da economia. No ecossistema da ótica, tradicionalmente associado à saúde visual, à moda e ao consumo de bens duradouros e acessórios, a sustentabilidade assume contornos singulares que cruzam ética, responsabilidade social, preservação ambiental e inovação tecnológica. Este setor, com a sua vasta cadeia de valor, integra múltiplas atividades e dimensões: desde a seleção das matérias-primas, à produção de armações, lentes, estojos, panos e outros produtos, até à forma como estes são distribuídos, comercializados e descartados. Cada uma destas etapas gera impactos significativos no ambiente.

A reflexão sobre este tema não pode, por isso, reduzir-se a um exercício académico ou a um conjunto de intenções. Deve traduzir-se na implementação de boas práticas concretas. A AASO – Associação de Apoio à Sustentabilidade da Óptica emergiu da vontade de um grupo de cidadãos, alguns com atividades fora do setor, mas profundamente conscientes da urgente necessidade de agir em defesa de práticas mais responsáveis, justas e sustentáveis, alinhadas com os valores de uma sociedade que exige transparência, compromisso e coerência. Reconhecemos que a atividade humana não pode ser conduzida de forma irresponsável e ilimitada, ignorando a finitude dos recursos naturais. O setor ótico, ao beneficiar de recursos como metais, plásticos, algodão (para armações, estojos e acessórios) e energia, deve assumir que o usufruto presente destes bens essenciais impactará inevitavelmente as gerações futuras. Profissionais e empresas não podem limitar-se a satisfazer as necessidades imediatas de consumo: é necessário questionar a origem, o ciclo de vida e o destino final de cada produto colocado no mercado. Esta indústria, como qualquer outra, possui uma pegada ecológica relevante. As armações de óculos, por exemplo, são frequentemente produzidas em acetato e plástico injetado, material derivado do petróleo e de difícil reciclagem. O destino habitual desses produtos é o aterro ou a incineração, com impactos negativos para o planeta. Já as lentes de contacto descartáveis, utilizadas por cerca de 150 milhões de pessoas em todo o mundo, geram toneladas de resíduos plásticos de difícil tratamento. Muitas acabam descartadas no lavatório ou na sanita, contribuindo para a poluição dos oceanos e ameaçando a vida marinha.

Estima-se que 30% da população global, ou seja, cerca de 2,43 mil milhões de pessoas, use algum tipo de óculos o que representa, para cada armação produzida, 4,86 mil milhões de lentes oftálmicas cuja produção envolve processos químicos que, se não forem devidamente tratados, originam descargas poluentes. A água, recurso fundamental neste processo, é frequentemente desperdiçada em grandes quantidades. Mas a sustentabilidade não se esgota na proteção ambiental: implica igualmente garantir condições dignas de trabalho em todas as fases da cadeia de produção, desde as fábricas de lentes e armações até às oficinas locais. Uma ótica sustentável deve rejeitar a exploração laboral, combater desigualdades e promover a inclusão social, assegurando que a saúde visual é um direito universal e não apenas um privilégio de quem pode pagar.

Constituída em setembro de 2022, a AASO é uma organização sem fins lucrativos que conseguiu reunir empresas representativas da indústria, do retalho e associações do setor ótico. A sua difícil missão é transformar mentalidades e encontrar soluções para os desafios da redução da pegada carbónica, quer no processo produtivo, quer no fim do ciclo de vida dos produtos. Um primeiro passo é a adoção de materiais ecológicos: armações de madeira certificada, bambu, acetato biodegradável ou metais reciclados já são uma realidade em marcas de vanguarda. Além disso, o desenvolvimento de plásticos de base biológica, produzidos a partir de recursos renováveis como o milho ou a cana-de-açúcar, abre caminho a soluções menos poluentes. A associação implementou recentemente o CRR – Circuito de Recolha de Resíduos, um sistema de recolha seletiva de óculos e lentes, promovendo a economia circular, baseada na reutilização, reciclagem e prolongamento da vida útil dos produtos. A saúde visual é um pilar essencial da qualidade de vida, mas o acesso a óculos e lentes ainda não é universal. Em muitos países em desenvolvimento, milhões de pessoas permanecem sem acesso a correção visual adequada, limitando a sua capacidade de estudar, trabalhar e viver com dignidade. Uma ótica sustentável deve integrar também esta dimensão de equidade social, criando modelos de negócio que possibilitem o acesso democrático aos cuidados visuais. A sustentabilidade na ótica é, antes de mais, um imperativo ético: não se trata apenas de proteger o planeta, mas também de respeitar a dignidade humana, assegurar justiça social e promover a transparência.

Ajude-nos a ajudar a defender esta causa que é de todos.

Pedro Rebelo de Sousa: Senior Partner e Fundador da SRS; Presidente da Assembleia Geral e Fundador da AASO

(Esta página teve o apoio da OPTOCENTRO, sócia-fundadora da AASO)