
Em Portugal, onde a população envelhece rapidamente e onde as doenças limitantes de vida (DLV) são cada vez mais prevalentes, os Cuidados Paliativos assumem-se como uma necessidade premente, não apenas para garantir a dignidade das pessoas em fases terminais, mas também para assegurar uma qualidade de vida adequada após o diagnóstico de uma patologia incapacitante.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 56,8 milhões de pessoas no mundo necessitam anualmente de Cuidados Paliativos, sendo que este número deverá duplicar até 2060, consequência do aumento das doenças crónicas e da longevidade populacional.
No nosso país, apesar de avanços significativos, persistem lacunas na cobertura e no acesso a estes cuidados, espelhando uma realidade em que as políticas vigen-tes ainda não respondem plenamente às necessidades efetivas da população.
Desde a aprovação da Lei de Bases dos Cuidados Paliativos, Portugal tem dado passos importantes na consolidação dos Cuidados Paliativos no Serviço Nacional de Saúde (SNS). O Plano Estratégico para o Desenvolvimento dos Cuidados Paliativos (2021-2023) representa uma dessas iniciativas, visando expandir a rede de cuidados, reforçar a formação de profissionais e sensibilizar a sociedade para a importância destes cuidados.
No entanto, a realidade evidencia desafios que comprometem a concretização dos objetivos propostos. A cobertura limitada, especialmente em regiões do Interior e nas Ilhas, dificulta o acesso a este tipo de cuidados e compromete a equidade, um dos princípios fundamentais do SNS.
Além disso, a escassez de profissionais de saúde com formação específica continua a ser um dos maiores obstáculos à qualidade e continuidade dos cuidados prestados.
Outra barreira tem sido a falta de sensibilização, tanto da população como dos profissionais de saúde. A perceção, ainda prevalente, de que os Cuidados Paliativos se destinam exclusivamente à fase final de vida desvirtua o propósito real destes cuidados, que englobam o controlo de sintomas, a adaptação a perdas funcionais, o apoio emocional e social, entre outros, desde o diagnóstico de uma DLV. Esta visão limitada alimenta o estigma e restringe o uso mais amplo e preventivo dos Cuidados Paliativos. Há que investir na integração de “Comunidades Compassivas”, que se tem revelado uma abordagem eficaz para reforçar a sensibilização e a educação sobre Cuidados Paliativos, promovendo uma cultura de apoio e compreensão a nível comunitário.
Ao confrontar a realidade atual com as políticas vigentes, torna-se evidente que ainda há um longo caminho a percorrer para que os Cuidados Paliativos se tornem verdadeiramente acessíveis e humanizados.
O desenvolvimento de uma rede robusta, sustentada por uma formação adequada e estratégias de sensibilização eficazes, é essencial para transformar o sistema de saúde português e assegurar que todos os cidadãos possam usufruir de cuidados de qualidade, mesmo nas fases mais delicadas do ciclo de vida.

A problemática dos acessos limitados e das desigualdades geográficas ao acesso a Cuidados Paliativos em Portugal continua a ser um privilégio disponível apenas para um número reduzido de pessoas. Nas áreas metropolitanas, como Lisboa e Porto, existem algumas unidades e equipas especializadas, embora os rácios disponíveis não permitam uma resposta adequada às necessidades. Em contraste, as regiões do interior e as ilhas apresentam uma acentuada escassez de recursos, deixando vastas populações sem acesso a cuidados adequados. Esta distribuição desigual compromete o princípio da equidade no acesso aos cuidados de saúde, evidenciando que apenas uma pequena parte das pessoas que necessitam de cuidados paliativos consegue, efetivamente, beneficiar destes serviços.
Esta disparidade geográfica é o reflexo de uma política que, embora bem-intencionada, revela insuficiências práticas. A centralização das unidades de Cuidados Paliativos nos grandes centros urbanos impede a existência de uma rede verdadeiramente acessível a toda a população.
É evidente que, sem uma abordagem mais descentralizada e sustentada em parcerias com unidades locais e serviços comunitários, a universalidade dos Cuidados Paliativos continuará a ser uma promessa por cumprir. Assim, uma política que apenas acumula metas sem garantir infraestruturas e recursos humanos capazes para as concretizar revela-se, inevitavelmente, ineficaz.
Com a criação do Serviço Integrado de Cuidados Paliativos (SICP) nas Unidades Locais de Saúde (ULS) esta realidade pode mudar. O modelo organizacional proposto para as ULS representa uma mudança significativa ao unificar as equipas de Cuidados Paliativos num serviço coordenado, permitindo uma cobertura contínua e a prestação de cuidados 24 horas por dia, ainda que utópico. O SICP visa, assim, ultrapassar as limitações dos modelos anteriores, promovendo uma maior proximidade, uma gestão de recursos mais eficiente e a capacidade de resposta às necessidades, seja no domicílio, em unidades de internamento ou em contextos comunitários. Além disso, o SICP procura otimizar os recursos humanos e materiais, promovendo a redução de custos, a melhoria da eficiência e a satisfação das pessoas e das suas famílias. Ora, se não existirem infraestruturas, nem recursos humanos, reduzir custos numa fase inicial será tangivelmente impossível.
Com a implementação do SICP, prevê-se que as ULS consigam proporcionar uma efetiva continuidade de cuidados, em que a transição entre diferentes níveis de assistência seja fluida e adaptada às necessidades da pessoa. Assente nos princípios dos Cuidados Paliativos, este novo modelo também se propõe a reduzir o uso inadequado dos serviços de urgência e a evitar hospitalizações desnecessárias, aspetos essenciais para a melhoria da qualidade dos cuidados.
A implementação do SICP nas ULS representa uma oportunidade crucial para melhorar a equidade e a qualidade dos cuidados paliativos em Portugal. Ao promover a descentralização dos cuidados e a integração das equipas em serviços coordenados, o SICP pode garantir uma cobertura mais ampla e acessível, especialmente nas regiões do Interior e nas Ilhas, onde as desigualdades geográficas são mais pronunciadas. Contudo, para que esta mudança seja verdadeiramente eficaz, é essencial que o sistema seja sustentado por infraestruturas adequadas e por uma formação contínua de profissionais especializados.
A criação de uma rede de cuidados paliativos mais integrada e próxima da comunidade poderá não só melhorar a qualidade de vida das pessoas em situação de fim de vida, como também assegurar que todos, independentemente da sua localização geográfica, tenham acesso a cuidados dignos e humanizados.
