: 10 de Junho, 2025 Redação:: Comentários: 0

Uma das regras essenciais da reportagem em jornalismo consiste em colocar o leitor, ouvinte ou espectador no local da ação. Começar por descrever o ambiente, o caminho, a paisagem, os cheiros e os sons que fazem os lugares.

Tenho de confessar que poucas coisas me dão tanto gozo como escrever sobre estradas e caminhos. Cresci e vivi grande parte da vida junto a uma das estradas históricas do país – a EN 103. Não só a casa dos meus pais ficava mesmo numa das grandes retas dessa estrada, em Braga, como a percorri milhares de vezes, conhecendo ainda hoje, de olhos fechados, grande parte do seu traçado e cada uma das suas curvas.

As estradas das nossas vidas não são apenas geografia e o tempo que levamos até chegar a um qualquer destino. São outro tipo de tempo, não aquele que se perde, mas o que nunca se quer esquecer. A EN 2 é, também ela, a memória de um país inteiro, a dorsal que o percorre do extremo norte, em Trás-os-Montes, ao sul, no Algarve.

Não me lembro da primeira vez que passei pela Estrada Nacional 2, seria ainda muito novo, embora tenha a certeza que terá sido algures entre Chaves e Vila Real. Na altura, antes da A24, não era tanto um roteiro turístico, mas sim a principal via de acesso a ligar as duas cidades transmontanas e muitas outras localidades pelo caminho. E do Douro para baixo, continuava assim, a ligar Portugal de lés a lés.

A atual designação de Estrada Nacional 2 foi instituída em 1945, sucedendo a séculos de história em que, outrora, foi conhecida como Estrada Real. Percorrê-la não é apenas atravessar 739 quilómetros e 35 concelhos. É fazer uma viagem por dentro da identidade portuguesa. Para muitos, esta é a nossa Route 66, mas com menos néon e mais cafés de beira de estrada, menos motéis e mais tascas. O que mais impressiona ao percorrê-la é a diversidade: em poucos quilómetros, passamos de serras a vinhas, de rios a planícies douradas. O cheiro da terra quente no Alentejo, o som dos motores a subir as curvas do Douro, o silêncio das aldeias ao entardecer — tudo isto faz da EN2 um país em miniatura.

Numa das reportagens que fiz sobre esta estrada, fui a Santa Marta de Penaguião entrevistar o presidente da Câmara, Luís Machado, enquanto presidente da Associação de Municípios da Rota da Estrada Nacional 2. Dizia-me, na altura, que quem a percorresse devagar, ao “sair daqui leva um país no coração” e, sobretudo, que esta é “essencialmente, uma estrada de pessoas”.

E é de facto. De pessoas, de encontros inesperados, de acenos à janela, de oficinas onde se troca uma palavra e um café. É também uma estrada de futuro: símbolo de turismo responsável, de orgulho local, de redescoberta do interior.

E se, por uma vez, deixássemos o GPS de lado e nos entregássemos ao tempo das estradas antigas, ao nosso tempo?